terça-feira, 30 de outubro de 2007

À Primeira Vista (At First Sight - EUA – 1998)


Oficialmente, o filme À Primeira Vista, contracenado principalmente por Amy (Mira Sorvino), que se apaixona por Virgil (Val Kilmer), conta uma história, baseadas em fatos reais, de um dos contos de “Um Antropólogo em Marte” do neurologista Oliver Sacks. O filme se resume em um homem bonito que ficou cego acidentalmente na infância. Eis que então surge uma esperança, através de um novo e revolucionário tratamento experimental, e Virgil é operado com sucesso. Ele recomeçará tudo de novo, aprendendo mais uma vez a enxergar a luz do dia e, quem sabe, descobrir a força do amor. A partir dessa pequena trama romântica, que nos faz especular ser fundamental para um retorno financeiro do filme, embora a história real tenha vindo também de um romance, a nós mostra uma parte desconhecida, ou pouco percorrida por nossas buscas na vida: o que pode ou não ser considerado real e até ponto as coisas a nossa frente realmente não são só constituídas por “meros estímulos de sinapse unidos a conceituações meramente racionais e/ou organizacionais”.
Há muitos anos acredita-se que a privação de um dos sentidos coincide com uma compensação desta deficiência – a dita Teoria da Compensação. Em cegos, por exemplo, a perda da visão provocaria um aumento da capacidade dos demais sentidos, como a audição e o tato. A idéia de compensação é ainda hoje parte integrante da representação social da cegueira. É freqüente que as pessoas atribuam ao indivíduo cego uma percepção privilegiada nos demais sentidos em função da carência da visão. Tratando disso, o objetivo dessa resenha é analisar em que consiste a noção de compreender o espaço em relação a essa dita compensação que é, em parte, desmistificada no filme, e em relação à diferença da interpretação da vida entre quem não enxerga e em quem enxerga, trazendo à luz a razão epistemológica da discussão existencial discutindo seu desenvolvimento, alcance e limites no campo da psicologia, à luz das ciências cognitivas contemporâneas.
Muito embora a cirurgia de Virgil tenha sido bem sucedida em termos médicos, não ocorrendo problema algum de ordem fisiológica, em termos psicológicos e existenciais, a manutenção de seus hábitos fez com que ele não abandonasse seu antigo "mundo de cego". Esta postura acabou por impossibilitá-lo de construir uma nova forma de vida compatível com a sua nova condição.É certo que isto não se dá de modo espontâneo, tendo em vista a ocorrência de dificuldades que demandam esforço e aprendizagem. Esta transformação não vem de forma direta e imediata. Trata-se, antes, de um processo de reinvenção da vida, dos conceitos, nas ditas verdades, das postulações, das palavras. Com o filme, dirigido por Irwin Winkler, penso que no caso descrito por Sacks, apontando que um comportamento só é passível de mudança quando se aprende a lidar com novas condições e situações de vida, acredito que a ação deve ser mudada quando se dá um outro sentido ao mundo que se experimenta. Na maioria das vezes, tais alterações são difíceis e dramáticas, no entanto, esta mudança de percepção não prescinde da aceitação e compreensão por parte daquele que a sofreu. Para a análise da deficiência revela-se de especial interesse uma abordagem que leve em conta uma dimensão inventiva da cognição. O conceito de compensação é, a despeito de sua popularidade, uma ferramenta teórica limitada para entender os efeitos sobre o sistema cognitivo da perda de um dos sentidos. A complexidade do problema postado no filme exige uma abordagem mais ampla, que leve em conta essa invenção da cognição e do próprio mundo, como questões indissociáveis. Assim podemos entender o desafio que constitui a perda gradual ou súbita da visão numa sociedade eminentemente “visuocêntrica”, que continua privilegiando a visão dentre os diversos modos de perceber e habitar o mundo, que, tanto quanto ela, também são bem reais. Em suma, para um cego, a sua mesa, ou cadeira, ou o que quer que seja, jamais será a mesma da dele, por mais que se trate do mesmo objeto, pois a interpretação da realidade capturada pelos olhos é diferente da capturada pelo tato, pelo cheiro, ou pelo som.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Ponto de Mutação

Creio que, a essas perspectivas analíticas, considero aqui não tão importante uma análise aprofundada sobre a filmografia, no que tange o espaço temático relacionado às fotografias, cortes de câmera, uso de espaços, qualidade de atuação ou de direção, e relacionados. Embora essas análises sejam de assaz importância – e considerando esse filme em questão, análises muito válidas – aqui me atrevo apenas a analisar rapidamente o embasamento teórico da discussão a que se volta o filme: da grande discussão em torno da vida; da necessidade de uma nova visão de mundo, diante de uma crise de percepção por qual passa a humanidade.
Nele, há três personagens principais: uma física norueguesa, um candidato à presidência dos Estados Unidos e um poeta que foge da agitação da metrópole e do liberalismo selvagem Nova-iorquino.
O candidato, ao tomar conhecimento da atitude da pesquisadora frente à sociedade americana – atitude de repúdio – a instiga a explicar melhor as causas desta postura, comum também a várias outras pessoas da ciência.
Para a cientista Sonia Hoffmann (Liv Ullmann), o pensamento de René Descartes, embora muito útil para a sociedade em que ele viveu, por se afastar do pensamento estritamente religioso medieval para explicar a natureza, muito atrapalha a sociedade atual. Descartes criou o pensamento mecanicista, tido como cartesiano. Esse pensamento explicava a natureza como uma máquina que poderia ser desmontada para ser compreendida. Isaac Newton ainda teria contribuído no pensamento cartesiano quando formulou a três leis do movimento na física, que influenciou as artes, a política e toda a sociedade.
Enxergar apenas as partes e não o todo: esse foi o erro que Descartes cometeu e que contribuiu na construção de nações tão interessadas apenas em suas próprias partes.
O poeta, Thomas Harrimann (John Heard), começa sua discussão sobre um questionamento em que bota em pauta a universalidade e/ou a particularidade do ser humano, quando indaga: “O homem é uma ilha?”.
A cientista explica que o homem precisa estar ligado em algo, precisa se relacionar em sociedade para sobreviver. Ela mostra através da física que apesar de todos nós não percebermos, somos interligados por partículas subatômicas. Trocamos energia o tempo todo. Em termos de micro para o macro não há nada no universo em que não haja interligações ou interconexões. Porém, vivemos atualmente numa “crise de percepção de todas as coisas”, pois normalmente a humanidade só pensa em seus problemas isolados e não consegue perceber que tudo faz parte de um todo: o universo.
Uma frase excelente para ser usada nos discursos do político Jack: “não evoluímos no planeta, mas com o planeta”, nos faz perceber que na prática, um belo exemplo disso seriam os Estados Unidos, criticados por serem a nação mais rica do mundo, que utiliza 40% dos recursos mundiais, com uma população que representa apenas 6% no mundo, conhecida por ser a mais feliz e pacífica, contudo é a maior consumista de drogas do mundo e tem uma das maiores taxas de suicídio também. Como explicar essas contradições? É a idéia de evolução. Ela não ocorrerá isoladamente no planeta, mas com todos os povos, que também são partes do próprio planeta, sem falar da enorme teia que é as relações intra e interpessoais.
Diante das teorias frias e puras da cientista e das idéias práticas do político, a poesia recitada pelo poeta os faz calar e refletir sobre o que suas vidas têm feito nesse processo, sobre como eles têm contribuído com sua parte diante do todo. A razão do pensamento científico passa a fazer sentido no calor das palavras do poeta, ao aproximar-se da vida comum e rotineira das pessoas.
Toda essa discussão bota em questão a validade de se viver nesse contexto considerado “legal”, com lados de escolha oferecidos à sociedade e, entre eles, um, onde a adaptação é se acostumar à tecnologia, ao neoliberalismo, ao conforto e se afundar nos sentimentos egocêntricos; ou optar por ser realmente livre, a partir de si mesmo, dentre as várias opções oferecidas pela fusão das milhões de formas de pensar e agir, a nós oferecidos pela pós-modernidade.

MindWalk, filme de Bernt Capra, Cannes, Home Vídeo, 1990, baseado no livro Turning Point, do físico austríaco Fritjof Capra.


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