segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Da arte intersubjetiva à intercorporeidade









Uma arte concreta não é uma arte feliz. É preciso manter a percepção perto da experiência, sem, no entanto, limitar-se ao empírico. Restituir cada experiência do ser e da natureza do ente, com o que foi e está marcado de anteriormente.

Essa percepção deve buscar a cifra anterior à atividade reflexiva. Logos do mundo estético, do mundo sensível, da imagem, deve ser unidade indivisa do corpo e das coisas. Unidade que desconhece ruptura entre sujeito e objeto.

A arte contemporânea deve criticar a produção estruturada numa filosofia subjetivista e numa ciência objetivista. Deve se desmembrar dessa visão humanista rasa .

Porque na filosofia subjetivista, o sujeito se apropria da realidade exterior. É cognoscente a ela, objetivando sua realidade criada na idéia (representação de, como quis Schopenhauer em O Mundo Como Vontade e Representação). O sujeito é heterogêneo à realidade de si, criada pela idéia em representação de suas necessidades para organização própria da vida em grupo.

E também porque a ciência objetivista outorga ao cognoscente o poder de recriar a relação da realidade com o próprio sujeito reduzindo essa realidade à fugalidade, numa guerra de conceitos prisionais e modeladores, primando por uma inconsciente infelicidade disfarçada de aparente satisfação.

Aqui reencontramos o velho tecnicismo liberal pós-Terceira Revolução Industrial. Está ai, permanente na construção cultural pós-moderna. É essa percepção que permeia a lógica cultural do sistema capitalista hoje (para um maior aprofundamento do assunto, indico Fredric Jameson em Pós-modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio).

Schopenhauer trata dessa questão em relação à construção do amor no sujeito em função de uma sentimentalidade não construída da racionalidade, mas sim já presente nas raízes do seres como necessidade fisiológica de reprodução somada à necessidade de afeto e atenção. Trata ontologicamente o termo amor (e toda sua carga filosófica).

Subjetivismo e objetivismo, idealismo e empirismo, metafísica e positivismo, são dicotomias que preservam a mesma fonte: a separação do sujeito do objeto, considerados como realidades heterogêneas, distintas, e que se apropriam de gêneros e bens. Tendem a reduzir seu oposto a uma aparência ilusória. Essas dicotomias são, portanto, as faces complementares de um engano comum e originário. A desagregação dos modos distintos desses modelos figurará a construção de uma imagem fetiche por fugaz.

E num é que essa separação é a origem das ciências e filosofias modernas. A dicotomia tudo é consciência ou tudo é objeto, reduz os acontecimentos objetivos para aquém do entendimento dos fenômenos, e não é essa a percepção necessária à arte contemporânea.

Essa relação da filosofia subjetivista, modulada com essa ciência objetivista, é o que Merleau-Ponty chama em seu livro Fenomenologia da Percepção de “pensamento de sobrevôo”.

Sua filosofia contemporânea se preocupa com a fusão dessas dicotomias: sujeito-objeto, fato-essência, ser-consciência, realidade-aparência, que já carregam em si, interpretações da realidade: experiência e sentido. E para fundamentar a relação experiência-sentido, busca pela natureza do ser.

Para esse objeto, corpo e mundo são unos, um “campo de presença” onde carregam todas as relações da vida perceptiva e do mundo sensível. O corpo guarda em si a essência da transcendência dentro de uma caixa ontológica, material, que através da empiricização do homem no mundo e do homem no homem, mantém as relações diretas do externo (mundo visual, da imagem, da representação) com a percepção e absroção desse externo pelo ente, relação de troca de energia provada, já lá na física moderna, que existe produzida pelos movimentos primitivos circulares dos átomos e dos astros. Essa percepção fenomenológica acrescenta a essa relação os movimentos primitivos dos fatos, das idéias, dos sentimentos.

Esteticamente falando, é o logos do mundo estético que torna possível essa intersubjetividade como intercorporeidade, que através da manifestação corporal na linguagem e da manifestação não conceitual da desfiguração, permite o surgimento do logos cultural
[1], do mundo humano da cultura e da história. É a beleza do ser a partir do ser-em-si, do ser-no-mundo, por si no todo.

O corpo, nessa relação, produz, de forma centrípeta (pois é o sujeito que sai da idéia e não a idéia que sai do sujeito) uma necessidade fisiológica de agradabilidade dentro de um parâmetro de vontade de representar sua necessidade, uma construção da imagem da realidade desejada.

A arte por si só, em seu conjunto, numa cíclica histórica de construção pessoal da história da própria arte, consiste em fazer com que os objetos estejam presentes sobre a condição expressa de não estarem lá. É como funciona hoje com a pintura ou com a fotografia. Querem transcender a materialidade pela experiencialização, sem a qual não existiriam, porque rumariam para um sentido sem o qual não seriam pintura ou imagem.

Essa percepção relacional da fenomenologia nos retorna à análise do selvagem, a partir das novas necessidades presentes na caixa modelar contemporânea. Volta ao ser, antes da ciência e da filosofia.


É uma percepção que se expõe em si própria – por ser nós e nossa – sem pretensões daqueles sistemas conceituais que fecham relações dicotômicas num círculo determinado de pressupostos e absolutos. É apresentação própria, sem compromisso de desconstrução do anterior, com conseqüente compromisso de interconexão com o ulterior.







[1] Não sendo a linguagem sua essência e obra perfeita. Pelo contrário. Por isso precisa de complementaridade, como o é a arte, por exemplo.




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sábado, 28 de março de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor

Diálogo 28 - Nas Entrelinhas dos Seres



- As entrelinhas que nos colocam passíveis de aprendizado, presentes no caminho entre a felicidade e o sofrimento, e até onde conseguimos nos adaptar nessa relação, sem nos cooptarmos ou nos suicidarmos.
- Aí é que me pergunto: cooptarmo-nos a quê? A quem? Suicidarmo-nos pra onde?

- Às vezes não atribuímos qualquer noção do quanto são úteis alguns infortúnios da nossa vida, na busca por respostas ao nosso ser-em-si.

- Certo que não há porque não se vangloriar do ócio, da vantagem de despender de uma vida proposta na inteiridade do conforto e da segurança. Mas é fato: qual caminho é mais interessante: o dos riscos, perigos e conflitos propostos ou a coerente e confortadamente satisfatória, num sentido amplo?

- Pode até parecer uma proposta de discussão neoliberalizante, de aceitamento das circunstâncias propostas pelo capitalismo, e blá, blá, blá. Mas em essência, seja no capitalismo, no comunismo ou em qualquer das terceiras ou diversas vias solucionais, essa discussão sempre será pertinente, afinal, qualquer desses caminhos será trilhado e construído por seres humanos, todos sempre passíveis de erros e enganos, relativizados.

- O fato é que os sabores das conquistas são muito diferentes quando a gente as alcança depois de passar por dificuldades extremas. O segredo todo está em não confundir intensidade (intensamente) com inteiridade (inteiramente).

- Não há possibilidade de sermos inteiros e/ou termos inteiro; nem os sujeitos, nem os objetos. Por isso também o ciúme se torna obstáculo inútil na nossa relação.

- Então, nessas relações ditas sociais existem espaços mútuos entre os seres. Espaços que chamo de alimite da liberdade. E eles devem ser observados, respeitados, a fim de se manter uma mínima organização possível do espaço-tempo entre os humanos.




- O exemplo de escalar durante horas a fio uma montanha tão mais íngreme do que se imaginava ser é uma parábola perfeita pra tal análise. Necessita-se de velocidade específica pra isso, velocidade tal que é a própria inclinação da montanha que impõe. Mas depois de toda a dificuldade, de se ater aos perigos propostos pela ação de subir, finalmente, quando se chega ao topo, percebemos quão melhor é o desfruto da vista do todo possível. Lá está o melhor ar, a melhor sensação.

- Ou seja, o encontro de soluções num engrandecimento psicológico, de organização interior do sujeito a partir do exterior (dos fatos-objetos).

- Que é o que muitos também chamam de “amadurecimento”.

- Nesse contexto, a experiência da vida talvez seja até mais importante do que a própria vida. Ou melhor, vida = experiência dela mesma. Óbvio. A busca pelas explicações sobre a existência (e a busca mais do que quer que seja), a partir do que se sentiu vivendo, em grande medida vale muito mais do que qualquer teoria (não negando, claro, a importância desta em determinados sentidos).

- Ser prudente é coerente, mas só quando necessário. Não é tão coerente quando à nossa frente não há mais soluções possíveis já especificadas para cada caso.

- Não há nada baseado no sofrimento e na dor que ofusque “um qualquer algo” que se finaliza glorioso quando, antes de qualquer coisa, ama-se do fundo da alma o que se fez ou faz, a fim de se encontrar presente em si e no próximo, na conseqüência dos atos.

- As dificuldades são cotidianamente normais. Elas só se tornam difíceis quando não percebemos (ou não queremos perceber, momento esse muito mais delicado) o ponto específico entre aquilo que somos ou fazemos versus aquilo que idealizamos ser ou fazer.

- O segredo está em perceber o contexto e, quando não, momentaneamente reagir positivamente ao sofrimento e jamais negá-lo. Como uma vez disse Nietzsche, esse seria o segredo dos felizes.

- É coerente, quando se analisa, por exemplo, as pessoas que vivem intensamente sua vida sem perpassar o alimite-da-liberdade, e continua no ciclo, em direção ainda não desbravada. Esse é o cerne do alto-controle. O fracasso faz com que haja transformação interior, na maioria das vezes ensinando maravilhas quando canalizado para si como experiência útil a fim de se desenvolver interiormente em vida.

- Afinal, nem sempre o que consideramos fracasso realmente o é.





- Observe um filho de dois anos de idade que não reconhece mais os pais como casal, na situação de os pais realmente não serem mais um casal no sentido ocidental tradicional judaico-cristão da coisa. Esse filho ama seus pais, quer-lhes bem, necessita deles por perto, mas não necessariamente como casal.

- Manter-se na ordem nessa situação, sentido-se triste por isso, é simplesmente não perceber uma ordem justificada por uma tradição organizada em apenas UM molde específico, dos MILHÕES POSSÍVEIS de serem construídos em sociedade.

- Quem foi que disse que, ao nascer, teríamos que passar uma imagem paralela à ordem costumeira, aos nossos herdeiros?

- As dificuldades causadas da diferença são de ordem meramente organizacional. E todo costume é passível de adaptação.

- As experiências dos que vivem passíveis de transformação (todos) buscando intensidade na vida (alguns) – e desfrutam das sensações maravilhosas que isso causa – são únicas. São explosões intermitentes, inexplicáveis. É das dificuldades que esse modo de vida se propõe que se abrem novas janelas a novos horizontes de possibilidades nunca antes imaginados.

- É como ter gradeada uma belíssima janela numa parede de cobogós. Os buracos da parede nos fazem ver o que está fora, porém numa certa segurança e limite. Quando a janela é aberta, temos uma vista à mostra para novos perigos e oportunidades, podendo-se ver outros ângulos antes nunca vistos, realidades nunca antes reparadas, respostas nunca antes alcançadas, que, com o tempo, tornam-se costumes a partir da adaptação.

- As dificuldades da adaptação é que pesam. Mas é esse peso que nos transforma e nos faz humanos em busca do que chamam vida, quando canalizado nesse sentido.



- E nesse sentido, a beleza e a força consequenciadas dessas propostas de risco compensam qualquer perigo.

- E como saber se não compensariam se não nos atrevermos a nos arriscar, se é isso que buscamos? Não falo somente da futilidade de se arriscar num grandioso investimento na bolsa de valores. Falo de se arriscar em função do outro, em busca de felicidade no caminho com o outro, a partir da compreensão e da paciência com as diferenças.

- As dificuldades geradas pelas situações de busca produzem energia suficiente para se renascer infinitas vezes, sempre mais forte e sábio do que antes, até o limite da morte (que nos transpassará para um desconhecido).

- O cerne da questão está em não amortizar o sofrimento; não paleativizar a proposta de busca da verdadeira felicidade na busca, no caminho “do-ser-feliz”. É como o próprio Nietzsche propõe, quando diz que aquilo que não nos mata, só nos fortalece.

- Nesse sentido, abolir o sofrimento é vagar no vazio porque o sofrimento transforma qualquer transição, e como tudo sempre é transição, dá a nós, humanos, atuação de uma vida menos irreal e mais pulsante.


- Vem!








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quinta-feira, 5 de março de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor





Diálogo 34: A Lógica da Impossibilidade




(diálogo sobre a alma, deus, o universo e os sentimentos)







- Se deve pensar o amor em sentido linear?

- Bom, vejo o amor alimite.

- Ãh?


- Alimite num sentido diferente de ilimite, sendo este a ausência do limite em sentido absoluto; alimite seria ausência de limite dentro da possibilidade de liberdade de si em detrimento à liberdade do outro, afinal sempre é necessário sacrificar parte de nossa liberdade para conservar a outra quando não se vive sozinho, que é o caso do ser humano em sociedade.

- Amor é alimite dentro da finitude possível do entendimento prático-racional do humano. O amor é cíclico, como toda a existência. Limitado, se sozinho, precisa de outros sentimentos alimites pra existir plena e essencialmente. Como não nos é capaz de aceitar isso como necessário – de entender a finitude do universo por cíclico e o amor como sendo parte desse ciclo – criamos o conceito de subjetivo, remetendo abstração ao amor, considerando-o único e onipotente, forçando situações dentro de parâmetros moldados pela necessidade criada pela construção social de que fazemos parte.

- Certo, o behaviorismo radical pode ser útil, mas não é suficiente quando se busca explicação para os sentimentos além do processo orgânico do universo. Não se deve negar a essência da existência dos equilíbrios (de energia) naturais (no sentido de natura, physis; mais amplo que o mero sentido de natureza; busca por fazer parte do todo e menos parte do mínimo de tudo).

- Estamos todos sujeitos à mesma diversidade. Por isso somos pura indeterminação, conseqüentemente eternas possibilidades.

- Aristóteles dizia que o mundo tem uma alma que mistura três essências: a indivisível, unidade absoluta do todo inteligível; a divisível, ou multiplicidade, que caracteriza os corpos e seu devir, e uma terceira, intermediária, a existência, que participa das duas primeiras. Aqui daqui que percebemos de onde vem nosso ínfimo momento de existência, presente entre o sono e a vigília.


- A essência da alma, que busca sua epistemologia nos sentimentos, poderia ser representada por numa espécie de corpo do mundo presente no interior dos homens, que coincide com o próprio centro do mundo, em seus movimentos cíclicos se confundindo; está aí a manifestação inquieta dos sentimentos em extremos buscando harmonia.

- Diferente das concepções da filosofia e da física antigas sobre o mundo, os sentimentos impossivelmente se regeriam por razões matemáticas, porque escapam à noção de matéria ou elementos que preexistam a uma ação possivelmente explicável pela organização mecânica.

- No nosso mundo reina a contingência, o acidente e o acaso!

- Acidente pré-necessário, a descontinuidade é a norma do movimento, mesmo ele sendo regular. Essa busca do amor pelo regular é que transforma em chama incendiária todo o coletivo-interno do ser, o tempo todo em explosão, porque somos eternas buscas insatisfeitas pelo desejo.

- O universo Einsteiniano expõe a proposta de que a estrutura do campo gravitacional é determinada pela massa e pela velocidade do corpo em gravitação. A geometria do universo, a curvatura do contínuo espaço-tempo, por ser proporcional à concentração de matéria que contém, será determinada pela totalidade da matéria contida no universo, que o faz lógica se descrever numa imensa curvatura que se fecha em si mesma. Embora não seja possível dar uma representação gráfica desse universo finito e esférico, foi possível calcular, em função da quantidade de matéria contida em cada centímetro cúbico de espaço, o valor do raio do universo (avaliado em 35 trilhões de anos-luz). Nesse universo finito, mas grande o bastante para conter bilhões de estrelas e galáxias, um feixe de luz, com a velocidade de 300.000km/s, levaria 200 trilhões de anos para percorrer a circunferência do cosmo e retornar ao ponto de partida. O tempo-vida do universo ou mesmo o seu tamanho finito está tão absurdamente fora da capacidade de percepção prático-racional, que se torna insuscetível à concepção humana de espaço-tempo.

- E a essência da alma está no mesmo patamar: o amor, inexorável a qualquer noção dessa magnitude, finito se torna infinito pela complexidade objetivo-perceptiva. Diferentemente do universo, que se pôde calcular numa idéia de tamanho, não há possibilidade de se calcular qualquer ínfimo espaço cúbico da alma. Nesse sentido, talvez os sentimentos fossem o grande mar incolor atemporal de fogo e gelo, onde repousam o(s) universo(s) possível(s).

- Se assim é, será que se vivêssemos 200 trilhões de anos, passaríamos pelas mesmas situações? Relacionaríamos-nos com as mesmas pessoas, num ciclo infinito da re-experiência dentro da própria finitude espacial do ciclo?


- Está aí uma situação fora de qualquer possibilidade de percepção empírica. Seguindo a lógica dos sentimentos estarem dentro do universo, chegaríamos à conclusão de que não existe sentimento infinito, porque tudo repousa dentro desse universo circular. Já observando pelo prisma de os sentimentos estarem além desse universo possível imaginável de Einstein, sendo os sentimentos o grande mar onde repousa tal universo, conceberíamos a idéia que abarca a lógica da existência de um deus (no sentido de ser superior a tudo e a todos, jogador no tabuleiro da vida onde os homens são suas peças primordiais) igual à idéia da alma. Sendo a alma (constituída pela tentativa de equilíbrio dos sentimentos) formadora da essência de tudo – o corpo do mundo dentro dos homens –, da mente em seu uso completo, há a possibilidade de remetermos que deus (qualquer que seja: ele, ela, singular ou plural) simplesmente está dentro do logos de cada um: o corpo do mundo (deus) dentro dos homens (na sua alma, tentativa de harmonia dos opostos dentro da própria mente humana).

- Einstein admitia que a velocidade da luz não é afetada pelo movimento da Terra, mas rejeitava antigas teorias que distinguiam o movimento absoluto do movimento relativo. Se a velocidade da luz é constante e se propaga independentemente do movimento da Terra, também deve ser independente do movimento de qualquer outro planeta, estrela, meteoro, ou mesmo de todo o sistema do universo.

- As leis da natureza, conseqüentemente, são as mesmas para todos os sistemas que se movem uniformemente, uns em relação aos outros.

- Então, em relação ao que se sente, avaliando dentro da impossibilidade de prova prático-humana, os sentimentos subjetivo-abtratos deveriam então seguir essa mesma regra? Mas considerar um todo relativo num é absolutizar o que seria mesmo relativo?

- É, eliminando o espaço e o tempo absolutos, o universo todo entra em movimento, não tendo mais sentido indagar pela velocidade ou existência "verdadeira" ou "real" de qualquer sistema, porém, não negando também uma possibilidade de relatividade, e sim, negando o significado de uma absolutização do relativo ao generalizar o termo.

- O espaço einsteiniano não tem fronteiras nem direção, e não apresenta nenhum ponto de referência que permita comparações absolutas, pois não passa "da ordem da relação das coisas entre elas", como já dissera Leibniz. O que leva a concluir que, sem coisas que o ocupem e nele se movam, não há espaço absoluto nem relativo.

- Então você quer dizer que os movimentos, sejam eles quais forem, só podem ser descritos e medidos uns em relação aos outros, uma vez que tudo é conceito?


- É. Pois é. Acontece o mesmo com os sentimentos. Quando sentimos o calor do que determinam de amor dentro do núcleo da alma, percebemos que os movimentos que ele nos proporciona – inquietudes, desejos, ciúmes, vontade de posse, concorrência natura-animal, sejam mais quais forem – só podem ser descritos e medidos uns em relação aos outros. Por isso os sentimentos, tão subjetivos, são arrelativos.

- Ou seja, nem relativos nem absolutos.

- É. A movimentação dos sentimentos funciona como a mecânica celeste, só que de forma geralmente desorganizada para poder se equilibrar com a própria existência do planeta; movimento esse praticamente quase sempre em equilíbrio.

- Pois é, existem tantas estruturas aparentemente interdependentes no espaço, que acabam por depender intrinsecamente umas das outras, como um grande corpo uno em movimento perfeito.

- Assim como o espaço métrico gravitacional e o espaço eletromagnético universal são intoleráveis ao espírito teórico, os sentimentos precisam de práxis constante pra queimar e manter a alma viva. Ali e aqui existem os desequilíbrios, mas quanto menor ou mais subjetivo é o corpo – ou a idéia de, como amor, ódio, piedade – maiores e em menos duração se apresentam os desequilíbrios.

- Ah... idéia de amor...

- Então os sentimentos seriam metafísicos?

- Segundo uma definição de Ludwig Wittgenstein, a experiência metafísica é algo que se encontra além do reino da linguagem, já que haveria coisas que podem ser ditas e coisas que só podem ser mostradas.

- Quando nos tratamos a falar de sentimentos, percebemos o quanto inexplicável é, ao modo da linguagem ou da teoria, demonstrar o que seria o amor. O problema primeiro está já na definição em si.


- Então é impossível definir sentimentos fora dos padrões lingüístico-morais – impossível definir qualquer coisa fora desse padrão, na verdade – porque observando a seguinte relação: essência da alma e do universo último possível versus os sentimentos, a forma menos complexa de se tentar entender a magnitude energética desses pólos tão extremos, subjetivo-abstratos é nessa lógica do impossível: conhecer e conceber um infinito dentro de um finito, sendo ambos abstratos (sentimentos – delimitados, alimitados – e universo – infinitamente gigante, mas infinito dentro de uma própria finitude).


- Seguindo essa relação, há de se perceber que talvez a única idéia metafísica no mundo seriam os sentimentos, pois nem o deus comum dos homens está fora do universo. No máximo ele o é. Sendo os sentimentos a proposta do mar onde flutuam o possível universo finito, seguindo a lógica da impossibilidade da percepção espaço-tempo possível suscetível ao homem, o amor seria sim, metafísico. Contudo, se continuarmos no raciocínio de que tudo é movimento circular, desde os meros átomos e suas partículas divisíveis, planetas, estrelas, galáxias, até chegarmos ao grande vácuo chamado de Universo, há de se perceber que qualquer coisa que vier a posteriori seguirá a mesma lógica, estando cada vez mais distante a possibilidade de percepção humana do que seria o amor, conseqüentemente considerando assim que “algo subjetivo” é algo de dentro. Irreconhecível e, por isso, por vezes incontrolável.

- Mas explosões também fazem parte da ordem dita harmônica dos entes do universo. Deveria ser diferente com os sentimentos se eles estivessem aquém do universo?

- Veja, esse é o ciclo. Desprenda-se da concepção de ciclo anexa à idéia de círculo. O círculo por círculo só é linear dentro de uma concepção. O ciclo a que me refiro é a fórmula lógico-impossível (teórico-abstrata) do círculo sendo a ordem perfeita do universo e suas explosões extremas versus ordem imperfeita dos sentimentos e suas explosões extremas.

- As explosões existem para mediar a perfeição e a imperfeição. Como não há harmonia na explosão em si, encontramos então um quarto termo na dialética do amor: uno (primeiro termo = harmonia) versus múltiplo (segundo termo = desarmonia) = explosões (terceiro e quarto termos unidos = extremos), que se dão através da desarmonia (que são as próprias explosões, que é o múltiplo em busca do uno).

- Então o ciclo tri (finito) – tetra (infinito) dimensional se dá: múltiplo (desarmonia) versus uno (harmonia) = explosões (uno e múltiplo ao mesmo tempo, unidos e separados – universos e sentimentos) que buscam a harmonia, mas que se completam no uno através das explosões, que buscam a harmonia; mas que se completam no uno através das explosões, que buscam a harmonia... que se completam...

- O problema é que não é possível perceber quando o terceiro e o quarto termo estão juntos ou separados. Esse interlúdio seria o lapso de tempo espacial (desconhecido, abstrato) que caracterizaria a essência da existência, que chamo de alma.



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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor










Diálogo 904 -
Paciência Irracional Grandeloqüente ou Feijoada Multi-Sentimental num “modo de compatibilidade” que chamam de “equilíbrio”









- Bem vindo à conflituosa busca que nos propõe à propaganda espetaculosa da “felicidade” e da “virtuosidade”. Esses instrumentos de conhecimento e expressão tão comuns nos mostram como funciona o processo sociedade. Não há ação e violência maiores do que as drásticas diferenças interiores das almas tendo que ser moldadas à ortodoxia deslocada dessa organização chamada VIDA EM RELAÇÕES SOCIAIS (deslocada digo no sentido das manifestações em formas irreconhecíveis nas relações dos sentidos).

- O poder grita acima de todas as qualidades. A competição é cada vez mais acirrada a fim de se promover num salutar devir. Nada é por nada, feito do nada ou pra nada. Ninguém faz qualquer coisa sem esperar qualquer algo em troca, por mínimo ou mais inconsciente que seja esse algo. Tudo tem um porquê, um pra quê, um como e um fim. Aí está a ordem, assim configurada.

- Essa alienação recíproca é a cerne do sustento da existência. O SER em sua essência, transformando-se em TER (seja lá o que for), fala acima dessas almas e de suas diferenças. Busca sempre um modo de compatibilidade. Quando não há essa possibilidade, extermina-se (seja lá o que ou quem for).

- Nada mais é simplesmente sentido e/ou externalizado e aceito como proposta, porque nada mais vale o que se busca. A pessoa (e sua proposta de ser tal e qual) é cada vez mais eufemística, a fim de confortar cosmeticamente (sim, de cosmos = perfeição da construção) uma gama sentimental colocada como presa (aqui, em dois sentidos: alimento e sem saída) na teia do que se chamam RELAÇÕES EM VIDA. Uma mobilização rumo ao desconhecido confronto diferente de arbitrário.

- Desconhecido no sentido cíclico, construído dentro de parâmetros gerais-generais (semelhantes em essência, dentro de contextos diferentes). Esse movimento aparente e diferencial-repetitivo é o sustentáculo dessa ordem.

- Em cima do palco (e também fora dele, afinal nem sempre somos SÓ os atores) a alienação na relação ator/espectador em proveito do objeto contemplado (muitas vezes vindo inconsciente) se mostra sempre assim: QUANTO MAIS SE PROPÕE, MAIS SE CONTEMPLA E MENOS SE VIVE.

- Quanto mais aceito se reconhecer nas imagens do que SE DEVE SER – imagens essas dominantes na NECESSIDADE – menos se compreende a própria vida ou os próprios desejos. Tudo se torna indiscutível. Aceitamente indiscutível. Desnecessariamente irreconhecível. Incompreensível.

- Conseqüentemente vem o desconhecido dentro da ordem "TÃO PERFEITA" da vida: o que chamam de infelicidade.

- Porque somos constantemente bombardeados por uma fetichiosa felicidade. O real se torna meramente relacional, perde sua substância, transforma-se em técnica, em mera metodologia. Vida metódico-metodológica: planilhificada.

- O humano separado do seu sonho (do que o torna mais humano) "construo-re-produz-se" cada vez menos em seus movimentos próprios, peculiares à sua diferença. Perde-se a noção do seu campo de poder e se entrega a uma teia já ornamentada em vez de organizar A SUA PRÓPRIA e se inserir com ela (ou através dela) à teia-vida externa, coletiva.

- Quando não nos lançamos de cabeça nas propostas de felicidade (leia-se: quando temos que respeitar o limite do outro, que é onde acaba a nossa liberdade), transformamo-nos em mera peça de guarda, transportando em nossa essência moribunda de liberdade um quantum insuficiente de felicidade. Talvez alguns chamem isso de egoísmo. E eu concordo.

- Perdemo-nos de si, mirando cada vez mais pra fora do nosso mundo. Quanto mais nossa vida é (necessariamente) regida de fora, menos o HUMANO-DE-MIM vive o seu agora; mais se separa do que diz ser SUA PRÓPRIA vida.

- Consideremos então que não existe vida própria; toda vida é coletiva.

- Então encontramos mais uma vez a insatisfação produzida pela incomplementariedade. A vida se molda no espaço do FORA DE SI, mas só é possível se propor como tal em essência (como vida), no DENTRO DE SI.

- Muitas vezes uma espécie de “sapiência” me faz sentir assim: acorrentado, irrespirável, buscando respostas onde elas já não estão ou existem mais.

- E o pior: a prática da vida sempre mostra que é assim que tem que ser. Afinal, o que seria de nós sem a ordem constitutiva e a moral historicamente organizada dentro dos parâmetros necessários desse controle? Será que haveria sociedade (humana) como tal sem religião, sem família, sem os sentimentos e os valores moldados pela tradição, pela televisão ou pelo jornal, sem o dito “instinto” materno ou paterno, sem o locus da vitória em busca da eterna concorrência e da EXTREMA competição?

- Leia-se, nesse caso, vitória = superioridade; logo, locus da = PREPOTÊNCIA.

- Quer dizer que viver em paz é isso? Conseguir aceitar tudo dessa forma, tentando se moldar disfarçadamente numa fôrma média?

- Ir no curso do rio e, por mínimas vezes, dar um passinho de lado?

- Conseguir um ponto de apoio num nível místico que explica tudo a partir de dogmas “humano-sensoriais”?

- Tentar viver em MEIOS TERMOS é o que chamam de equilíbrio?

- Sempre pensei que a solução estivesse em buscar o caminho no AMOR. Mas, impacientemente (e SEM cuidado) percebi que sempre TUDO (fora e dentro de si e dos outros) nunca é como imaginamos, vemos, cheiramos, ouvimos ou tateamos que seria.

- Nem sempre é mesmo como SENTIMOS que é, imagine!

- Disseram-me hoje que “o amor é o que se aprende no limite”.

- Pois bem, o que está além desse limite eu chamo de RETICÊNCIAS.

- Ninguém conhece, ninguém sente, ninguém vê, ninguém entende.

- As reticências vão além das meras interpretações dos sentidos e sentimentos, porque elas simplesmente SÃO; são tão completas e ensurdecedoras como o silêncio.

- Entre amor e o ódio, a paixão e a raiva, a busca DA felicidade e a felicidade NA busca, existem tantas reticências quantos são os pontos que formam a linha infinita do gráfico existencial dos extremos sentidos, na ordem e no caos da vida (de si e em si).

- O problema maior é que por elas formarem linhas, a gente nunca sabe onde elas começam ou onde se encontram, porque terminar a gente sabe que nunca terminam.





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sábado, 7 de fevereiro de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor

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Monólogo 01 - Busca Incontestável Atemporal








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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor

Diálogo 12 - Ressonância






- Gumm... Tá-CUM!


- Gumm... Tá-CUM!


- Ouve isso?


- Paradas cárdio-vazias
de sons estrios
preâmbulos a sós-nâmbulos loucos insandecidos
por sentimentos moucos de cosméticos
cósmicos mistos, antidepressivos


- Vidas intensas fúrias sem nexo
de letras miúdas sorridas por dentro
trabalham por rezes em vez de sentir


- Às cores primárias
da cozinha à sala
e de cada cor que se pensa ter em cada
grão-semente vívida de felicidade da busca
que forma a primeira para se misturar
às terceiras antes de cair

sozinha, de cara,

no

lixo.



- Escuta a cítara!

- Escuta a semente se abrindo.

- O silêncio.


- Os sentidos são os terceiros primeiros
mínimos desejos crus despidos de
qualquer ordem
ou jeito


- É gente livre de toda a cor
livre dentro de um quadrado
livre da concórdia quando a discórdia vem
tudo de dentro da mesma possibilidade de ação


- Então grita!
Grita de dentro desse calabouço
intestino-institucional de si mesmo
na tentativa de se livrar desse moribundo
doente
de liberdade.


- É como querer água num oásis de areia
e ter que esperar chover pra poder beber


- Sabendo que a chuva depende
de si mesma
e do sol.


- Que no meu caso é uma mente
e um coração.


- Já sei: sensação de busca por um vazio?


- É, mais ou menos; sensação de busca NO vazio.


- ¬¬


- E tem diferença?


- Quando você é o propulsor da prisão de si mesmo
no outro e do outro em si mesmo,
tudo faz e tem diferença.


- Você conhece o território, mas não o RE-conhece mais.

- É porque ele nunca foi meu.




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Diálogo 12


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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor



Diálogo 23: Átema, por Encanto






- Sumir em mim, solta daí.

- Sumir em si, solto daqui.

- Eu não sou daqui, e de lugar nenhum...

- Ela falou antes de dormir:

- "Estou de olhos fechados, solta no universo... Não penso mais...

- Sinto".



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Diálogo 23.


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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Absurdo Banquete do Comedor de Amor


Diálogo 04: Pausa de Mil Compassos




- Às vezes é necessário parar de cantar pra poder observar a música de fora.

- Condição pra incomplementariedade.

- É. Só vejo racionalidade extrema em não abraçar o invisível com a música.

- É como se às vezes fosse necessário parar de viver pra poder observar a vida de fora.

- Suicídio?

- Não que eu queira.

- Há!

- Afinal, viver intensamente é realmente necessário?

- Tu agüenta?

- Música é que nem Vida: Ou você canta, ou não canta.

- E o instrumentista?

- Se instrumentista, canta com o toque.

- Um toque-canto, como as andorinhas que gritam nos fios tensos por falta de uma clave de Sol.


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Diálogo 04

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