quarta-feira, 6 de junho de 2018

A GESTAÇÃO DA AFETIVIDADE IMPOTENTE: O CONHECIMENTO HISTÓRICO COMO FUNDAMENTO E FERRAMENTA DE MANIPULAÇÃO CULTURAL



O movimento político contemporâneo no Brasil tem nos direcionado a uma profunda necessidade de análise do nosso passado cultural, embora, que, essa análise e reflexão, por si só, não têm surtido efeito de transformação do acontecimento.

Resgatam-se fatos, temas e memórias da História com objetivo de entender algumas questões que, filosoficamente, relacionam-se diretamente à ressurreição do mito do Estado (autoritário) que, por sua vez, fundamenta-se no mito da ordem e do progresso.

A ressurreição e empoderamento desses mitos têm se materializado no desejo imediato de intervenção militar na política (resgate dos valores ético-políticos de 64-85); no assassinato político, na prisão de figuras-chaves de um processo de representação democrática, e na exaltação institucional do ódio às diferenças culturais, ao preconceito e ao racismo, legitimados pelo Estado.

Apesar das milhões de pessoas mobilizadas nos movimentos contrários a esses diletantismos, paira no ar um sentimento de impotência frente ao acontecimento.

Carregados por um movimento de construção de imagens simbólicas de representação intencional, coordenado internacionalmente, tecido e veiculado por setores específicos da sociedade, constituímo-nos num movimento coletivo inconsciente que atua no emocional e verte em ciclos de consciência – aura semelhante a que preconcebeu 1964, 1939, 1824, por exemplo –, fazendo gerar na população uma sensação de “justiça cumprida”, de “mocinho” na batalha com o “bandido”, motivada por impulsos e pulsões que se fundamentam numa ilusão coletiva de verdade (arquétipo histórico), que cria um ambiente favorável à sensação de que há transformações em curso. Mas, que, filosoficamente, não ressignificam o acontecimento.

Para localizarmos, descontruirmos e ressignificarmos o acontecimento, temos que caminhar além da reflexão histórico-crítica do fato estabelecido e convencionado, e nos posicionar como hermeneutas da História.  

Localizar-se contra tais acontecimentos, sem encabeçar um contragolpe espelhado (repetição do passado), exige um nível de maturidade que a simples criticidade histórica não consegue dar conta, pois essa criticidade se limita à luta política, e este movimento significa mais do que uma luta política. Trata-se de lidar com um pensar, com um sentir, com um emocionar, gestados num arquétipo histórico intransponível por imperceptível.

Não se trata de assumir uma ou outra opinião; uma ou outra posição. Trata-se, pois, de nos localizarmos em um movimento de transformação de si, operando transformações internas no self. Trata-se de uma relação para além da política e da economia; para além da direta e da esquerda. Trata-se de uma relação (in)consciente. Trata-se de uma relação espiritual. Trata-se da problematização de um arquétipo constituído a partir de um discurso de verdade que se viraliza por seus regimes de verdades e que se baseia e se estrutura numa forma de pensar e fazer uma política e uma economia que excluem as diferenças culturais. Logo, estamos lidando com construções e significações da ordem do sentir, do emocionar.

Trata-se, pois, de identificar, desconstruir e ressignificar nossos arquétipos históricos, individual e coletivamente, num processo conjunto de refundação de nossa identidade, do que seria mesmo uma identidade, refazendo, assim, o caminho arquetípico da construção do inconsciente e da memória.

Quando localizamos as ações dos discursos das verdades históricas e de seus regimes de verdades na construção do conhecimento Histórico, epistemológico ou doxológico, reconhecemos o conhecimento Histórico como fundamento e ferramenta de manipulação cultural.

As formas como a História é constituída (tratada, lida, contada, manipulada, investigada, narrada, escrita, imaginada, diagramada, fotografada, filmada, digitalizada, interpretada) enquadram-se em um padrão de comportamento herdado, derivado de uma estrutura cultural e psíquica que possibilita o desenvolvimento de um comportamento coletivo e individual que vai sendo preenchido e atualizado, formando assim um corpus cultural, e, que, graças à velocidade da informação e à grande quantidade de símbolos possíveis de serem veiculados na atualidade, em pouco tempo a História se torna um arcabouço epistemológico que baseia um mito a ser construído e mantido, e, assim, vamos reestruturando-nos enquanto uma sociedade hostil e segregacionista.

Isso se deve ao poder que a memória simbólica inconsciente tem de afetar nossa consciência simbólica. E, em certa medida, nossa sociedade se transforma através da influência desse inconsciente simbólico atuando em nosso consciente coletivo e individual.

Esse processo acontece por meio das imagens que vamos vendo já desde crianças, imagens que vão fundando nossos arquétipos e que nos constituem enquanto seres culturais.

Se somos animal symbolicum; se nossas relações são mediadas por um sistema de signos; se nossas relações de nós com nós mesmos, com o outro e com o mundo se processam através do espelhamento das afetividades, materializadas nos signos que estruturam nossa percepção/fundação cultural, é possível vislumbrar a estrutura arquetípica que torna fundamental nossas infinitas configurações e combinações, que nos mobilizam enquanto seres culturais.

Daí se processa a formação estrutural da verdade em nós – fatos, temas e memórias de uma estrutura universal e individual, construídos e reconstruídos de geração em geração, fundando assim, uma amálgama cultural.

E apesar de nossa diversidade cultural atuar numa vasta produção de diferentes símbolos, nossas formas de interpretação mnemônica, factual e temáticas da História se processam através das mesmas intencionalidades simbólicas, auxiliando-nos a compreender/construir a verdade histórica cultural como um grande jogo de cartas marcadas, que nos mobilizam num grande movimento teleológico.