O movimento político contemporâneo no Brasil tem nos
direcionado a uma profunda necessidade de análise do nosso passado cultural, embora,
que, essa análise e reflexão, por si só, não têm surtido efeito de transformação do acontecimento.
Resgatam-se fatos, temas e memórias da História com
objetivo de entender algumas questões que, filosoficamente, relacionam-se
diretamente à ressurreição do mito do Estado (autoritário) que, por sua vez,
fundamenta-se no mito da ordem e do progresso.
A ressurreição e empoderamento desses mitos têm se
materializado no desejo imediato de intervenção militar na política (resgate dos
valores ético-políticos de 64-85); no assassinato político, na prisão de
figuras-chaves de um processo de representação democrática, e na exaltação institucional
do ódio às diferenças culturais, ao preconceito e ao racismo, legitimados pelo
Estado.
Apesar das milhões de pessoas mobilizadas nos movimentos contrários
a esses diletantismos, paira no ar um sentimento
de impotência frente ao acontecimento.
Carregados por um movimento de construção de imagens
simbólicas de representação intencional, coordenado internacionalmente, tecido
e veiculado por setores específicos da sociedade, constituímo-nos num movimento coletivo inconsciente que
atua no emocional e verte em ciclos de consciência – aura semelhante a que
preconcebeu 1964, 1939, 1824, por exemplo –, fazendo gerar na população uma
sensação de “justiça cumprida”, de “mocinho” na batalha com o “bandido”,
motivada por impulsos e pulsões que se fundamentam numa ilusão coletiva de verdade (arquétipo histórico), que cria um
ambiente favorável à sensação de que há
transformações em curso. Mas, que, filosoficamente, não ressignificam o acontecimento.
Para localizarmos, descontruirmos e ressignificarmos o acontecimento,
temos que caminhar além da reflexão histórico-crítica do fato estabelecido e
convencionado, e nos posicionar como hermeneutas da História.
Localizar-se contra tais acontecimentos, sem encabeçar um
contragolpe espelhado (repetição do passado), exige um nível de maturidade que a
simples criticidade histórica não consegue dar conta, pois essa criticidade se
limita à luta política, e este movimento significa mais do que uma luta
política. Trata-se de lidar com um
pensar, com um sentir, com um emocionar, gestados num arquétipo histórico intransponível
por imperceptível.
Não se trata de assumir uma ou outra opinião; uma ou
outra posição. Trata-se, pois, de nos localizarmos em um movimento de transformação de si, operando transformações internas no self. Trata-se de uma relação para
além da política e da economia; para além da direta e da esquerda. Trata-se de uma relação (in)consciente. Trata-se
de uma relação espiritual. Trata-se da problematização de um arquétipo
constituído a partir de um discurso de verdade que se viraliza por seus regimes
de verdades e que se baseia e se estrutura numa forma de pensar e fazer uma política
e uma economia que excluem as diferenças culturais. Logo, estamos lidando com construções
e significações da ordem do sentir, do emocionar.
Trata-se, pois, de identificar, desconstruir e
ressignificar nossos arquétipos históricos, individual e coletivamente, num
processo conjunto de refundação de nossa
identidade, do que seria mesmo uma identidade, refazendo, assim, o caminho
arquetípico da construção do inconsciente e da memória.
Quando localizamos as ações dos discursos das verdades
históricas e de seus regimes de verdades na construção do conhecimento
Histórico, epistemológico ou doxológico, reconhecemos
o conhecimento Histórico como fundamento e ferramenta de manipulação cultural.
As formas como a História é constituída (tratada, lida,
contada, manipulada, investigada, narrada, escrita, imaginada, diagramada,
fotografada, filmada, digitalizada, interpretada) enquadram-se em um padrão de comportamento herdado, derivado de uma
estrutura cultural e psíquica que possibilita o desenvolvimento de um
comportamento coletivo e individual que vai sendo preenchido e atualizado,
formando assim um corpus cultural,
e, que, graças à velocidade da informação e à grande quantidade de símbolos
possíveis de serem veiculados na atualidade, em pouco tempo a História se torna um arcabouço
epistemológico que baseia um mito a ser construído e mantido, e, assim, vamos reestruturando-nos
enquanto uma sociedade hostil e segregacionista.
Isso se deve ao poder que a memória simbólica
inconsciente tem de afetar nossa consciência simbólica. E, em certa medida,
nossa sociedade se transforma através da influência desse inconsciente
simbólico atuando em nosso consciente coletivo e individual.
Esse processo acontece por meio das imagens que vamos vendo já desde crianças, imagens que vão fundando nossos arquétipos e que nos constituem enquanto seres culturais.
Se somos animal
symbolicum; se nossas relações são mediadas por um sistema de signos; se nossas relações de nós com nós mesmos, com o outro e com o mundo se processam através
do espelhamento das afetividades, materializadas nos signos que estruturam nossa
percepção/fundação cultural, é possível vislumbrar a estrutura arquetípica que
torna fundamental nossas infinitas configurações e combinações, que nos
mobilizam enquanto seres culturais.
Daí se processa a formação estrutural da verdade em nós –
fatos, temas e memórias de uma estrutura universal e individual, construídos e
reconstruídos de geração em geração, fundando assim, uma amálgama cultural.
E apesar de nossa diversidade cultural atuar numa vasta
produção de diferentes símbolos, nossas
formas de interpretação mnemônica, factual e temáticas da História se processam
através das mesmas intencionalidades simbólicas, auxiliando-nos a compreender/construir
a verdade histórica cultural como um grande jogo de cartas marcadas, que nos
mobilizam num grande movimento teleológico.
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