PARTE 1
Imagine uma comunidade onde a pesca é a principal atividade de vida das pessoas. Mais especificamente a criação de maríscos e camarões. Produção e venda. E lá nessa comunidade tem uma escola municipal, cujos profissionais e estudantes estão cansados dela, porque ela não tava mais dando conta das reais demandas daquela comunidade e a sensação de frequentá-la era de perda de tempo. Ao mesmo tempo, a escola é extremamente importante nesse contexto porque muitas vezes era a única rede de apoio que as pessoas têm para criar seus filhos. Mas muitas crianças estavam irredutíveis: não queriam mais ir pra escola. E quando íam, fugiam, causavam.
Nesse contexto, Mariá, marisqueira, tem uma ideia: buscar parceires para entender o que está acontecendo ali (para além dos jargões e achismos comuns da sociedade sobre essa situação, como por exemplo “ele não quer nada”; “os professores não têm pulso”; “os professores não querem trabalhar”; “a mãe é mal educada igual”, “é abandonado pela família”, etc.) e fazer uma análise profunda daquela comunidade, entender sua cultura, sua história, seu modo de vida, seus saberes, seus sensos comuns, buscando compreender questões pessoais, sociais e políticas que estão afetando essas pessoas. Aos poucos María foi se fazendo em grupo, junto com várias outras pessoas da comunidade, e esse grupo vai conversando com mais e mais pessoas, buscando entender as reais demandas da comunidade.. então María começa a refletir sobre a escola.
- Por que a escola não faz mais sentido? - se perguntava.
Mariá queria atrelar as demandas sociais à escola. Ela não sabia disso, mas sentia. E precisava de ajuda. O objetivo era envolver a comunidade com a escola a partir de práticas educativas que atribuíssem autonomia viva e real à prática de vida das pessoas dessa comunidade. Mariá queria que essas pessoas se sentissem participantes e construtoras da sua própria história em coletivo, com a ajuda da escola, buscando fazer da escola instrumento e ferramenta política da comunidade à serviço da própria comunidade, às suas demandas reais, de forma autônoma e potente, significante e pertencente, reduzindo-se a distância entre teoria e realidade, e não permitir que a escola simplesmente fechasse ou servisse somente de depositário de crianças.
Dorinha, professora de María, e que estava exausta daquela vida docente, compreendeu o sentido de Mariá quando a ouviu contar da sua escola diferente. Dorinha era da atividade de base da comunidade, professora e mãe na comunidade, e começou a perceber que a escola poderia mesmo ser um local de unir as pessoas e servir à comunidade.
- Ô menina.. olha, me conta aí, como é essa tua ideia de escola diferente?
Ali Mariá e Dorinha começavam uma amizade profunda. E se propuseram a pensar algo simples e revolucionário: mudar a alma da escola.
- As mudanças que você propõe.. - disse Dorinha.. - ..a gente que é professor pode ajudar.. a gente tem domínio do que nossa disciplina pode somar. E temos você do outro lado, Mariá. Você também é a comunidade e o que ela precisa.
Os dias se passaram e Mariá e Dorinha foram conversando e maturando as ideias. Depois de um tempo, propuseram uma reunião entre as lideranças da comunidade. Nessa reunião, elas explicaram sua ideia: gente, a escola pode ser boa. e podemos salvar a escola, não é ela que vai nos salvar. Escutem: a gente produz marisco e camarão. Vocês têm um trabalho enorme pra construir o que precisam pra esse trabalho.
E a escola pode ajudar - solta Dorinha.
Vejam: as disciplinas escolares podem servir diretamente à piscicultura, à maricultura e à carcinicultura. Junto com o fundamento disciplinar e dos saberes populares sobre essa prática, a disciplina de ciências poderia estudar a criação, a reprodução, o cuidado, o manejo sustentável dessa prática, trabalhando juntamente com os mais velhos que já dominam essa prática, aprendendo com eles. Através da aferição da temperatura das águas, da medição da acidez, da oxigenação, do volume, etc, a disciplina de ciências se debruçaria sobre as demandas técnico-científicas da comunidade, junto com a matemática. A matemática e a física podemos usar para medir a construção dos criadouros, das casas de trato, calcular o volume da produção de resíduos para aplainamento do chão e construção civil, construção de casas, etc. As contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir interagiriam com o dinheiro das vendas dos mariscos e camarões produzidos e as compras de insumos; percentuais, gráficos e planilhas fariam parte da organização financeira. A geografia pode oferecer um entendimento da tessitura organizacional do terreno para esta prática; fazer levantamentos dos aspectos físicos e sociais da formação da comunidade; investigar os tipos de solo e de água no entorno e reorganizar manejos. A disciplina de português pode contribuir na interpretação de toda a legislação dessa magnitude, alfabetização através de leituras sobre esses assuntos.. e leitura e interpretação de leis, editais de financiamento e de fomento à cultura da pesca, da maricultura e da carcinicultura. A tecitura histórica da comunidade ficaria com a História; história de vida das pessoas, seus saberes, sua cultura, seu senso comum, suas crenças, suas vidas; colaboraria numa interpretação contextual profunda sobre projetos políticos de financiamento para manutenção dessas atividades a fim de justificá-los historicamente, fazendo levantamentos sobre o formação e funcionamento de cooperativas e formas de organização social autônomas das comunidades de trabalho no Brasil, propondo organizações autônomas para os processos do contexto das demandas daquela própria comunidade, investigando a importância da pesca, da maricultura e da carcinicultura para a permanência e sobrevivência daquela comunidade, sua tradição e o respeito à estrutura e à organização social ali construída, etc. A educação física regeria toda a sua potencialidade esportiva, cultural e de respeito com o outro e com as regras de uma organização. Aulas (e jogos) de futebol, de capoeira, de dança. A música. As artes metida na área da produção cultural da comunidade, pleiteando sempre espaços para manifestação musical, visual, performática. E dentro da educação física e das artes, história, português, geografia, matemática, enfim.. tudo tá dentro de tudo.
As lideranças da comunidade estavam deslumbradas com as ideias de Mariá e Dorinha. Eram ideais que acreditavam nas pessoas.
Destarte, Mariá e Dorinha estavam certas de que o sentido de educar dessa escola poderia contribuir consideravelmente com a melhora significativa da qualidade dos processos e procedimentos de aprendizagem des estudantes da escola daquela comunidade. Uma transformação social real a longo prazo finalmente era vislumbrada e alimentada. O próximo passo era começar a fazer. Botar a mão na massa. E, pra isso, um segundo passo: Mariá e Dorinha buscaram uma reunião com es profissionais de educação daquela escola.
FIM DA PARTE 1