segunda-feira, 30 de maio de 2011

O desafio da escolha do conhecimento


Ao positivismo, todas as críticas já imperaram. Desde o seu surgimento, até a atualidade, várias correntes de pensamento e metodológicas já criticaram a maneira de pensar do positivismo. Concordo e discordo da crítica.



São as críticas que nos fazem levantar da obscuridade do pensamento absoluto, e que nos proporcionam perceber possibilidades diferentes das que pensamos ou foram pensadas a priori. Do que valeria um espaço de construção do conhecimento se não fossem as críticas? Todo movimento de construção do conhecimento vem de um saber crítico e é fundamentado em uma crítica, e, durante seu percurso, quando este conhecimento não mais dá conta das necessidades ou demandas específicas do contemporâneo, vêm então novas críticas a deleitarem-se contra o conhecimento anteriormente criado. Dessa nova crítica, outros saberes saem e outros conhecimentos se constroem. E assim segue o movimento da construção do conhecimento: construção, crítica, desconstrução, reconstrução. Se não há o que criticar, não existe movimento. Se não há movimento, não há construção do conhecimento.
Entretanto, às vezes discordo da crítica. Até a crítica é para ser criticada, se não, não há fundamento em sua ação. A crítica nos faz pensar, e o pensar produz outras críticas. Mas eu discordo daquela crítica que atira no seu próprio pé. Noutras palavras: que substituem um absolutismo por outro. Assim é o positivismo. Com o advento das ciências naturais, o método positivo cegou ao ponto de não se conseguir mais se abrir às janelas das possibilidades. Particularmente não sou afeiçoado ao positivismo, mas não creio que dele devamos negar tudo. Afinal, negar tudo é uma atitude, antes de tudo, positivista. Negar o subjetivo do ser é desprover a capacidade de refletir, e, consequentemente, de pensar. Não estou aqui para defender pontos do positivismo. Não. Estou aqui para dizer o que não concordo nas críticas que a ele se levantaram.
O dialeticismo de Hegel, o marxismo de Marx e o sociologismo de Durkheim e Weber muitas vezes pensaram uma estrutura completamente aquém do positivismo, muitas vezes se aproximaram deveras. Enquanto método científico micro-espacial, ao se considerar os sujeitos de intervenção social, essas correntes, de nodo geral descaracterizavam o ser enquanto ser, considerando que esse ser se situa num contexto social. Concordo. Mas essas correntes desconsideraram a capacidade de subjetivação inata do ser, durante os processos de intersubjetividade. Discordo. Não acho que chegamos a um nível tal de conhecimento para dizermos se há ou não há processos inatos de subjetivação. O cérebro e o universo ainda são, para nós, incógnitas de aprendizado, e, acredito eu, também podem ser chaves para percebermos essas questões de forma mais clara.
Quando pensada no nível macro dos sistemas (mais especificamente o sistema da dialética de Hegel), aproximava-se mais do positivismo, a tal ponto que, até o próprio Marx deve ter se contorcido na tumba, insatisfeito com a leitura que fizeram dele. É comum ouvirmos por aí: “ele leu mal Marx”. Mas é isso: somos todos livres para interpretar para nós mesmos o que quisermos, quando não interpretam para nós antes, que é geralmente o movimento inevitável de produção do conhecimento. Já dizia Foucault: tudo é interpretação.
Pois bem, minha posição é uma posição um tanto quando mística, por se assim dizer: acredito que tudo funciona melhor em equilíbrio. Nosso regime diacrônico (dos processos de construção do conhecimento) nos faz pensar numa negação constante. Pensando diacronicamente, percebemos o mundo numa eterna substituição: quando sai ‘A’, entra ‘B’, e quando sai ‘B’, entra ‘C’, e assim por diante. Ora, mas, se quando entrar ‘B’, ‘A’ continuar lá? O que haverá, na verdade, será uma relação sincrônica, uma relação ‘AB’, que, por vezes, pode ser ‘C’ e que, por vezes, se mistura com ‘D’, e assim por diante. Sou adepto ao pensar desse movimento: movimento sincrônico. Mas não nego, por vezes, a necessidade do diacrônico.  
Para quem mergulha atento na teoria da História, percebe que ela nos ensina logo cedo a não negar. Mas sim, ensina-nos a perceber. E perceber é o caminho para entender a mistura quando relacionada às “correntes de conhecimento” (não gosto do termo-preso “corrente”), principalmente os conhecimentos metodológicos. Anacronia (anacronismo) para a História, nada mais é do que impor retrógrado todo e qualquer pensamento anterior a. Sendo assim, tudo o que pensou Sócrates, Platão e Aristóteles, hoje seria absurdo, porque quando pensaram o que pensaram, ao pensamento de hoje já não caberia mais o que pensaram. Aristóteles falava de liberdade, mas tinha escravos para escrever para ele. Quer paradoxo maior que esse? Nietzsche soltava, por vezes, pensamentos extremamente machistas, mas entendi depois que, em sua época, era difícil para ele as relações amorosas com as mulheres. Justifica? Depende do caso. Para o primeiro sim. Já para esse segundo, não. Mas por isso negarei os ensinamentos de Aristóteles e Nietzsche? Hoje o conceito, a noção, a percepção de escravidão é outra, e quando pensamos sobre esse conceito, pensamos de acordo com o que entendemos hoje sobre esse assunto. Hoje, escravidão é bem diferente do tempo de Aristóteles. Assim como vários conceitos que hoje são ainda utilizados: democracia, república, cidadania, liberdade, machismo, enfim. É inegável a necessidade de se pensar o sentido de significado desses termos para a realidade de hoje, afinal, os termos (as palavras que usamos, os conceitos) surgiram para dar sentido a significados de épocas em que esses sentidos dos significados eram outros. Taí a informática e o “internetês” para substanciar o que digo. Outros termos para novas necessidades. Bom ou ruim, essa é outra discussão.  
Voltando, a História chama essa leitura do tempo passado pelas lentes do presente de anacronismo: ato de interpretarmos o que aconteceu ontem, com os olhos, com as lentes, de hoje. Ora, mas como não ser assim? Como não interpretar o ontem a partir de hoje, se nunca sairemos do hoje? Como não ser anacrônicos? Eis um dos grandes problemas da teoria da história: é mais ou menos como ser imparcial. É possível ser imparcial? É possível dar uma opinião vendo tudo “de fora”? De fora de si e de seus sentimentos, aprendizados e saberes? De fora da sociedade? Como? Pelo menos eu, com meus limitados saberes de humano não vejo como.
É nesse sentido que critico tudo: o positivismo e sua crítica. Critico o positivismo por negar a possibilidade subjetiva do ser humano enquanto substrato válido para pesquisa, além de ter que provar tudo empiricamente, sem nos proporcionar a capacidade da reflexão sobre a reflexão (noutras palavras: pensar!). E critico sua crítica que propõe o fim do positivismo em detrimento a, porque para várias ciências e saberes, o positivismo foi e continua sendo de grande valia, principalmente a algumas ciências naturais.
Minha posição: concordo em avançarmos nas críticas e percebermos outras possibilidades de pensar o conhecimento, mas não acho que devemos negar de todo os conhecimentos anteriores, até porque, muitas vezes, são deles que surgem os posteriores (um pensamento bem positivista!).
Dessas críticas, em relação às ciências humanas, surgiram vários movimentos metodológicos: quantitativo; funcionalista; qualitativo, etnometodológico; fenomenológico; interacionista simbólico, enfim, todos vindos das críticas e das necessidades de re-estabelecer funções sociais para a construção do conhecimento. Rasamente falando objetivo versus subjetivo, discordo dessa posição dicotômica, mas também não gosto muito da posição maniqueísta.
Primeiramente, não acredito que devamos substituir conhecimentos. Ou melhor: não acredito que devamos SEMPRE substituir conhecimentos. Às vezes é necessário substituir. Mas concordo mais com a posição de que os conhecimentos devem ser somados e redistribuídos. Já falei isso lá em cima. Numa posição mais radical nesse sentido também discordo dessa função dialética da sobrevivência metodológica. Mas essa também é discussão para outro momento. Pegando as mais distintas formas de pensar: a positivista (objetiva) e a fenomenológica (subjetiva), encontramos, mesmo nelas, um ponto em comum: o método, uma sistematização, necessária a. Esse “a” pode um objetivo qualquer de investigação.
Em função do poder que rege as organizações disciplinares,

as diferentes teorias que abrangem (cada uma delas) aspectos particulares e renegam outros, nos revelam inevitável imbricamento entre conhecimento e interesse, entre condições históricas e avanço das ciências, entre identidade do pesquisador e seu objeto, e a necessidade indiscutível da crítica interna e externa na objetivação do saber (p. 12).

Minayo escreve isso quando fala da relação quantitativa versus qualitativa. Perceba a possibilidade de expandir essa questão à relação objetivismo e subjetivismo. Minha crítica agora é ao termo versus, que nos prende em dicotômicos paradigmas de produção do conhecimento. Ou ele, ou eu. Ou lá, ou cá. Ou em cima, ou em baixo. Ora, e se se quiser ambos? O que significa o termo ambos?

AMBOS / ambos à [Do lat. ambos.] Numeral. 1. Um e outro; os dois: Segurou a fruta com ambas as mãos[1].

Ora, não vejo nada demais no seu significado. Pelo contrário: vejo mais aceitação que tolerância, porque, diferentemente do que pensam os individualistas (de que querer ambos é querer tudo para si, e, logo, querer tudo para si é egoísmo), penso que querer tudo para todos pode ser uma posição adjetivável a qualquer significado, mas menos ao significado de egoísta, porque tudo para todos subtende-se, no mínimo (embora um pouco utópica), divisão. Logo, se precisares, aceitas, então, o positivismo e a fenomenologia sim, e daí? Enquanto conscientes de ‘de onde vêm’, ‘para onde levam’ e ‘até onde vão’, todo conhecimento pode ser válido. Depende de para onde você vai com ele. Aí o problema já não está mais no conhecimento. Está em quem o aplica.




[1] AURÉLIO – Novo Dicionário Digital – 2010.

(p. 12)[1].


[1] MINAYO, Maria Cecília de S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. HUCITEC, São Paulo.


2 comentários:

Rebeca Virna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rebeca Virna disse...

Fel, queria dizer que gosto muitos dos textos, tanto da maneira como escreves quanto da tua ousadia em tratar de temas tão controversos com tamanha simplicidade e clareza.

Com toda certeza essa discussão renderiam vários diálogos, pois muitos pontos importantes foram tocados, tanto ficou difícil para mim selecionar sobre quais falar. Mas vou tentar.

Gosto de pensar no 'conhecimento' nos termos em que sugeriu: não só a composição de um estado de coisas, mas como um processo infindável, pois estaria relacionado com a capacidade adquirida pela nossa espécie, a qual chamamos (bem ou mal) de racionalidade. O conhecimento - que seria simultaneamente a capacidade e aquilo que criamos a partir dela - tem uma função adaptativa. Sendo assim, estamos condenados a continuar com este processo até que algo realmente drástico ocorra.

Um outro ponto muito interessante no texto, algo sobre o qual acredito que já havíamos conversado antes, é a eliminação ou atenuação das dicotomias, como no exemplo citado: subjetivo x objetivo. Não compreendo esses termos como realidades em si (talvez apenas como algum aspecto de alguma realidade), nem como categorias epistemológicas, uma vez que não temos como atestar em que sentido uma coisa é totalmente objetiva ou em totalmente subjetiva. Esse é um dos legados daquela ideia de separar natureza e homem, baseada na crença de que se poderia conhecer A realidade natural a partir do uso de determinados métodos associados à razão (esta num sentido mais forte do que usei anteriormente). O que podemos sugerir de modo mais coerente é que foram as interações sociais de alguma cultura que nos permitiu criar tais categorias dicotômicas.

Em relação ao Anacronismo utilizado na teoria da história, acho muito pertinente tua observação, pois mesmo que pensássemos nesta 'ferramenta' como uma forma de enfatizar as leituras atuais sobre fatos passados, o seu estabelecimento sugere que historiados tradicionais, por exemplo, conseguem reconstruir os acontecimentos prescindindo de qualquer parcialidade.

Por fim, destaco o que considero o tema central do teu texto: o papel da crítica. Parafraseando Richard Rorty em relação ao que ele diz sobre a crítica literária, esta não desfruta de bases privilegiadas (espistemológicas ou que de qualquer outro tipo) que lhe permita assumir um status diferente dos gêneros literários, pois ela mesma é um gênero literário, se configuar como mais uma narrativa. Acho que podemos estender esta observação para a teoria crítica da história, ou para a própria epistemologia.

Enfim, a mensagem ficou muito longa, mas foi uma forma de valorizar toda a sua dedicação em escrever o texto (bem mais longo que o meu), sem deixar coisas tão interessantes passar.

Um beijo.