quarta-feira, 11 de junho de 2025

O DESAFIO DO SENTIDO DE MARIÁ


PARTE 1 



Imagine uma comunidade onde a pesca é a principal atividade de vida das pessoas. Mais especificamente a criação de maríscos e camarões. Produção e venda. E lá nessa comunidade tem uma escola municipal, cujos profissionais e estudantes estão cansados dela, porque ela não tava mais dando conta das reais demandas daquela comunidade e a sensação de frequentá-la era de perda de tempo. Ao mesmo tempo, a escola é extremamente importante nesse contexto porque muitas vezes era a única rede de apoio que as pessoas têm para criar seus filhos. Mas muitas crianças estavam irredutíveis: não queriam mais ir pra escola. E quando íam, fugiam, causavam. 


Nesse contexto, Mariá, marisqueira, tem uma ideia: buscar parceires para entender o que está acontecendo ali (para além dos jargões e achismos comuns da sociedade sobre essa situação, como por exemplo “ele não quer nada”; “os professores não têm pulso”; “os professores não querem trabalhar”; “a mãe é mal educada igual”, “é abandonado pela família”, etc.) e fazer uma análise profunda daquela comunidade, entender sua cultura, sua história, seu modo de vida, seus saberes, seus sensos comuns, buscando compreender questões pessoais, sociais e políticas que estão afetando essas pessoas. Aos poucos María foi se fazendo em grupo, junto com várias outras pessoas da comunidade, e esse grupo vai conversando com mais e mais pessoas, buscando entender as reais demandas da comunidade.. então María começa a refletir sobre a escola.


- Por que a escola não faz mais sentido? - se perguntava.


Mariá queria atrelar as demandas sociais à escola. Ela não sabia disso, mas sentia. E precisava de ajuda. O objetivo era envolver a comunidade com a escola a partir de práticas educativas que atribuíssem autonomia viva e real à prática de vida das pessoas dessa comunidade. Mariá queria que essas pessoas se sentissem participantes e construtoras da sua própria história em coletivo, com a ajuda da escola, buscando fazer da escola instrumento e ferramenta política da comunidade à serviço da própria comunidade, às suas demandas reais, de forma autônoma e potente, significante e pertencente, reduzindo-se a distância entre teoria e realidade, e não permitir que a escola simplesmente fechasse ou servisse somente de depositário de crianças.


Dorinha, professora de María, e que estava exausta daquela vida docente, compreendeu o sentido de Mariá quando a ouviu contar da sua escola diferente. Dorinha era da atividade de base da comunidade, professora e mãe na comunidade, e começou a perceber que a escola poderia mesmo ser um local de unir as pessoas e servir à comunidade.


- Ô menina.. olha, me conta aí, como é essa tua ideia de escola diferente?


Ali Mariá e Dorinha começavam uma amizade profunda. E se propuseram a pensar algo simples e revolucionário: mudar a alma da escola.


- As mudanças que você propõe.. - disse Dorinha.. - ..a gente que é professor pode ajudar.. a gente tem domínio do que nossa disciplina pode somar. E temos você do outro lado, Mariá. Você também é a comunidade e o que ela precisa. 


Os dias se passaram e Mariá e Dorinha foram conversando e maturando as ideias. Depois de um tempo, propuseram uma reunião entre as lideranças da comunidade. Nessa reunião, elas explicaram sua ideia: gente, a escola pode ser boa. e podemos salvar a escola, não é ela que vai nos salvar. Escutem: a gente produz marisco e camarão. Vocês têm um trabalho enorme pra construir o que precisam pra esse trabalho. 


E a escola pode ajudar - solta Dorinha.


Vejam: as disciplinas escolares podem servir diretamente à piscicultura, à maricultura e à carcinicultura. Junto com o fundamento disciplinar e dos saberes populares sobre essa prática, a disciplina de ciências poderia estudar a criação, a reprodução, o cuidado, o manejo sustentável dessa prática, trabalhando juntamente com os mais velhos que já dominam essa prática, aprendendo com eles. Através da aferição da temperatura das águas, da medição da acidez, da oxigenação, do volume, etc, a disciplina de ciências se debruçaria sobre as demandas técnico-científicas da comunidade, junto com a matemática. A matemática e a física podemos usar para medir a construção dos criadouros, das casas de trato, calcular o volume da produção de resíduos para aplainamento do chão e construção civil, construção de casas, etc. As contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir interagiriam com o dinheiro das vendas dos mariscos e camarões produzidos e as compras de insumos; percentuais, gráficos e planilhas fariam parte da organização financeira. A geografia pode oferecer um entendimento da tessitura organizacional do terreno para esta prática; fazer levantamentos dos aspectos físicos e sociais da formação da comunidade; investigar os tipos de solo e de água no entorno e reorganizar manejos. A disciplina de português pode contribuir na interpretação de toda a legislação dessa magnitude, alfabetização através de leituras sobre esses assuntos.. e leitura e interpretação de leis, editais de financiamento e de fomento à cultura da pesca, da maricultura e da carcinicultura. A tecitura histórica da comunidade ficaria com a História; história de vida das pessoas, seus saberes, sua cultura, seu senso comum, suas crenças, suas vidas; colaboraria numa interpretação contextual profunda sobre projetos políticos de financiamento para manutenção dessas atividades a fim de justificá-los historicamente, fazendo levantamentos sobre o formação e funcionamento de cooperativas e formas de organização social autônomas das comunidades de trabalho no Brasil, propondo organizações autônomas para os processos do contexto das demandas daquela própria comunidade, investigando a importância da pesca, da maricultura e da carcinicultura para a permanência e sobrevivência daquela comunidade, sua tradição e o respeito à estrutura e à organização social ali construída, etc. A educação física regeria toda a sua potencialidade esportiva, cultural e de respeito com o outro e com as regras de uma organização. Aulas (e jogos) de futebol, de capoeira, de dança. A música. As artes metida na área da produção cultural da comunidade, pleiteando sempre espaços para manifestação musical, visual, performática. E dentro da educação física e das artes, história, português, geografia, matemática, enfim.. tudo tá dentro de tudo. 


As lideranças da comunidade estavam deslumbradas com as ideias de Mariá e Dorinha. Eram ideais que acreditavam nas pessoas. 


Destarte, Mariá e Dorinha estavam certas de que o sentido de educar dessa escola poderia contribuir consideravelmente com a melhora significativa da qualidade dos processos e procedimentos de aprendizagem des estudantes da escola daquela comunidade. Uma transformação social real a longo prazo finalmente era vislumbrada e alimentada. O próximo passo era começar a fazer. Botar a mão na massa. E, pra isso, um segundo passo: Mariá e Dorinha buscaram uma reunião com es profissionais de educação daquela escola.


FIM DA PARTE 1

quinta-feira, 15 de maio de 2025

HISTÓRIA GENERALISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INSTITUCIONAL DA CRIANÇA NO BRASIL (PÓS) COLONIAL

 


Do ponto de vista das ideias pedagógicas e da aplicabilidade da educação no Brasil, num primeiro momento é possível dizer que aproximadamente durante todo o primeiro século de colonização, dois Planos de Instrução constituíram a chave central dos ideais pedagógicos no Brasil: o plano do Padre Manoel da Nóbrega e do Padre José de Anchieta. Nóbrega tentou conduzir a aplicação de uma educação no Brasil da época (considera-se o Brasil da época pequena parte do litoral de Pernambuco, da Bahia e de São Paulo a partir de 1533) fundamentado em aspectos estratégicos do agir sobre as crianças para chegar aos adultos. Os colonos que vinham de Portugal para o Brasil traziam crianças, a maioria delas órfãs, que por sua vez, estudavam com os nativos, uma educação puramente jesuítica de doutrinação via catequese, juntamente com o aprendizado básico de leitura e escrita do português (para os portugueses e nativos), somado ao aprendizado básico de agricultura e pecuária (só para os nativos). Um dos trunfos do plano de Nóbrega se constitui na grande interação entre as crianças nativas e as europeias. Em síntese, a ideia de Nóbrega é doutrinar a criança, para que esta, por sua vez, doutrine seus familiares, disseminando a verdade católica cristã e de subserviência dos nativos aos portugueses. Pensando nessa interação entre as crianças, dois colégios foram fundados: o Colégio dos Meninos de Jesus da Bahia, e o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente. 


Eis a concepção pedagógica tradicional religiosa na versão católica da contra reforma, materializada na institucionalização da educação, já na segunda metade do século XVI, que se resume em formar os nativos para que estes sejam submissos à doutrina católica e conformados com os aspectos disciplinares da moral católica e intelectuais europeias daquele momento (a partir de 1549). Com o Padre José de Anchieta, a pedagogia tomou forma pelo teatro e pela poesia, que construíram a imaginação maniqueísta das crianças, num processo de doutrinação católica pela palavra, pelas diversas formas de discursos, através da condenação de práticas nativas que eram constantemente associadas ao demônio (Anhangá) e não a Deus (Tupã), simplificando e generalizando (homogeneizando) a cultura indígena.



Mas é mesmo a partir de 1599 que começa a acontecer certo processo de institucionalização da educação jesuítica nos pontos mais populosos do Brasil, sistematizado a partir da aplicação de uma legislação racionalista extremamente eurocêntrica, chamada Ratio Studiorum, organizada pela metodologia derivada do Modus Parisiensis, já trabalhando com crianças em classes, com a realização de exercícios escolares, mecanismos de incentivo ao trabalho escolar – como castigos corporais caso não trabalhassem, e com premiação, louvores e condecorações caso trabalhassem. Tal metodologia era fundamentada por uma base escolástica, pautada na ideia da leitura, repetição e memorização. Essa fundamentação, por sua vez, traduz uma visão do homem como ser constituído por uma essência universal e imutável – o homem é produto de Deus, já vem pronto, e sua educação deve desenvolver o lado cultural natural do homem e servir (a educação) para transformar o homem naquilo que ele já nasceu para ser. Logo, a função da educação seria moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano.


O tradicionalismo pedagógico convertido em uma educação estrita e absolutamente religiosa se mantém até meados do século XIX, quando começa a coexistir com uma incipiente pedagogia que se pode chamar de leiga – fundamentalmente a partir da República, falaremos disso mais adiante –, embora ainda uma pedagogia que mantém seu núcleo funcional pautado no tradicionalismo pedagógico religioso (presente no Brasil nos últimos 300 anos). Quando da ascensão do iluminismo na Europa, procria-se uma racionalidade científica e um instrumentalismo filosófico, fundamentados através e a partir da lógica industrial europeia. Na prática, esse processo demorou pelo menos uns 150 anos para refletir diretamente na prática pedagógica no Brasil – só por volta dos anos do populismo e principalmente durante o regime militar que nossa prática pedagógica se estrutura numa função industrial de fato, disseminada Brasil a fora a partir de uma pedagogia co-criada na lógica estadunidense do mercado industrial e comercial (falaremos disso mais adiante). 


Com o fechamento dos colégios jesuítas, e com a coroa portuguesa agora presente no Brasil, aos poucos as crianças passam a ser redirecionadas em seus valores, deixando de lado a exclusividade religiosa na educação, fazendo com que essa religiosidade passe a coexistir com uma visão um tanto mais “esclarecida”, embora ainda extremamente despótica e, de certa forma, ligada aos valores morais religiosos, materializados na descendência consanguínea entre os nobres da corte do agora Brasil Império. A verdade é que as crianças, na prática, serviam como peso moeda nas negociações culturais, e os fortes processos de aculturação do povo nativo e de enculturação do jovem português que aqui morava fundou o modo de pensar das próximas gerações, no que se refere aos grandes centros povoados – praticamente 10% do território brasileiro. No restante, não havia escolarização nesses moldes; quando havia, ainda continuava na lógica da catequese, sendo este o principal meio educativo no território como um todo até aproximadamente meados do século XX. 


Após a consolidação do Império, é só por volta da segunda metade do século XVIII, é que uma espécie de educação básica começa a se consolidar institucionalmente no Brasil, consequenciada por uma espécie de “iluminismo brasileiro”, fortemente desenvolvido no período do Marquês de Pombal. Mas durante o reinado de Maria I, Pombal é demitido, e o retorno dos jesuítas às batutas escolares, assim como os párocos, retomam as rédeas da educação no Brasil através das aulas régias. Fica, contudo, no imaginário social e político dessa porção do Brasil, certas ideias pedagógicas leigas, sistematizadas através do ideário de uma educação laica e de um país cuja intelectualidade estaria racionalmente desenvolvida, pensamentos esses derivados daquele “iluminismo brasileiro” da época de Pombal. 


Mas é só com o advento da República (1889), até os anos 1930, que o ideário pedagógico no Brasil – agora uma maior parte territorial, formada inicialmente pelas urbes – começa a misturar ensino religioso com ensino leigo, influenciado fundamentalmente pelos pensamentos Liberais e Positivistas, consequências do capitalismo industrial e de mercado em polvorosa na Europa desse momento. Logo o interesse no Brasil dos finais do século XIX passa a ser estimular a laicidade do ensino, para que se formem logo escolas com modelo industrial, a fim de servir à nova lógica do sistema de mercado – isso tudo somente nos grades centros urbanos, que receberam as grandes levas migratórias campo-cidade durante o processo de industrialização inicial no Brasil. 


Nesse período de ebulição política (Iluminismo, República, migração campo-cidade, formação urbana) uma Assembleia Constituinte é convocada por Dom Pedro I, que estabelece um documento de instrução pública cujo ensino das crianças fica estabelecido a partir dos 9 aos 12 anos de idade – o chamado 1º grau de instrução comum. Contudo, o desenvolvimento de um ensino universitário sempre foi visto com mais urgência pela magistratura do Brasil, obviamente por questões sócio-políticas (cursos de Direito, e mais tarde Medicina e Engenharia), deixando que a prática do ensino das crianças na maior parte do Brasil continua e fortemente voltada e estruturada para e em torno da religiosidade.


Já a constituição de 1824 destaca em seu texto que agora deve ser gratuita a instrução primária para todos os cidadãos. Após essa outorgante, vários projetos políticos tentaram organizar uma sistemática para a educação no Brasil, que sempre ficavam barrados na impossibilidade prática de seu desenvolvimento, seja por questões de interesse político, seja por embates culturais. O que fica para as crianças, nesse momento, é aprender a ler, a escrever, e aprender os fundamentos básicos de aritmética nas escolas de primeiras letras, legisladas sobre um projeto de escola elementar, espalhando-se pelas cidades e vilas mais populosas do Brasil – ou seja, até 1827, não havia qualquer escola no Brasil que não fosse o grande centro político e, historicamente falando, até meados do século XX, praticamente não havia escolas no Brasil como um todo, comparado ao que temos hoje. Quando havia, os princípios da moral cristã é que fazia parte do currículo legal, juntamente com apender a ler e escrever, as 4 operações de aritmética, umas práticas de quebrados, decimais, etc. 


Em 1834 a competência para legislar sobre as escolas passa para as províncias, que estão ainda menos preparadas para essa tarefa. É nesse momento que se estabelece o princípio da obrigatoriedade do ensino, este sendo seriado e simultâneo, através da Reforma de Couto Ferraz, responsabilizando os pais com multas e prisões caso estes não estimulassem seus filhos a estudarem em escolas a partir dos 7 anos de idade – com exceção dos filhos de escravos. Após esse momento, os próximos projetos de reformas políticas educacionais se preocuparam mais com um higienismo social e moral religioso nas instituições do que propriamente com o conteúdo do ensino ou mesmo com uma legislação mais coerente com a realidade cultural brasileira, mantendo o padrão extremamente elitista dos projetos, enquanto a grande maioria do Brasil não tinha escolas e as escolas que existiam, em sua maioria, mantinham majoritariamente um padrão moral religioso. Destaque para a Reforma de Leôncio de Carvalho (Decreto 7.247/79, de 1879), que estabelece a obrigatoriedade do ensino até os 14 anos, assim como a criação dos jardins de infância opcionais para crianças de 3 a 7 anos, e cursos de alfabetização de adultos nas províncias, também opcionais, juntamente com as faculdades de Direito e Medicina. A partir de 1888, com a “abolição” da escravidão, grande parte da mão de obra escrava passa a ser substituída por uma espécie de mão de obra assalariada e “livre”, fazendo com que a educação recebesse muito mais atenção da legislação, considerando a efervescência da segunda revolução industrial na Europa. Agora é função da educação, formar o novo trabalhador, num país onde a plena economia ainda era agrícola, e que na prática, ainda mantinha a moral católica, a alfabetização e a aritmética básicas como essência – e agora acoplando às instituições dos grandes centros urbanos, as ciências e certo conhecimento sobre profissões como prática.



Com o advento do regime federativo, a instrução popular passa a ser responsabilidade dos estados, e do Estado em conjunto só após o governo de Vargas. A grande verdade é que durante todo esse período, a educação no Brasil não se resolve, por questões de conflitos de concepções pedagógicas e políticas fundamentalmente, até a criação da ABE (Associação Brasileira de Educação, em 1924), que vai discutir e trazer, finalmente, algumas transformações, de fato, para a educação, esta mais voltada para a industrialização e comércio, a partir de Vargas.


Em 1932 é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, cujos escolanovistas, através da legislação, entram de vez na corrida pela assunção da educação no Brasil, apoiados por Getúlio Vargas que, por sua vez, coloca a educação como questão nacional. Este manifesto, que em si se tratava mesmo de um Plano de Educação Nacional a pedido do próprio Vargas, traz em si muitas ideias revolucionárias para a época, realocadas inclusive na constituição de 1934. Mas na prática, essas ideias ficaram no papel, principalmente com o advento do Estado Novo em 1937. 


Desse Manifesto, destaco o tópico intitulado “O Papel da Escola e sua Função Social”. Entre outras questões, este tópico trata da necessidade de “incorporar instituições periescolares e pós-escolares na constituição da instituição escolar, dada sua importância na constituição educativa da sociedade”. O Manifesto destaca ainda que, por serem as esferas sociais que muitas vezes educam “até mais que a escola”, estas não deveriam se situar à margem dela; ao contrário, suas práticas deveriam complementar ou mesmo corrigir práticas escolares que por ventura não atendessem à demanda social de certos grupos sociais. Apesar desse ponto em destaque, o restante do Manifesto, ao que se pretendeu discutir acerca da educação a partir dos anos 1960, traz questões de ordem normal, convencional, como a laicidade, a gratuidade, a coeducação (não separação dos estudantes por sexo), e a obrigatoriedade da educação, assim como reforça a legislação da época, em que todas as crianças eram obrigadas pelas famílias e pelo Estado a frequentarem a escola dos 7 aos 17 anos. Um argumento para esta obrigatoriedade era a de que o Estado precisava manter uma organização da mão de obra (ordem) para o desenvolvimento do Brasil (progresso), e nada como a escola para fazer esse papel. Na teoria, a preocupação com a questão cultural e econômica se refletia em como se a criança que não fosse para a escola pudesse ser prejudicada pela ignorância dos seus responsáveis, ou até mesmo ser prejudicada por ser pobre e, assim, não ter acesso à cultura (das letras). A escola, então, serviria para a “criança ter cultura”. No todo, esse manifesto tece uma série de princípios que à época, fazem valer sua insistência, considerando as características desnumanas das políticas e da economia do Brasil até os anos 1930. O que quero dizer é que, esses princípios, hoje considerados extremamente retrógrados e obsoletos à luz das possibilidades educativas contemporâneas, na época pareciam ser princípios que, talvez, até fizessem sentido em alguns pontos, em alguns lugares, e em algumas situações, como por exemplo as concepções das bases psicológicas para a educação, pautadas na atividade constitutiva do sujeito, voltada de dentro pra fora, e não de fora pra dentro; ou dos princípios filosóficos, que se pautavam numa autonomia do educando, em função dos conteúdos e dos seus professores. Contudo, no que tange à estrutura geral, permanece tudo bem semelhante, a exemplo da educação da infância, que se dava obrigatoriamente dos 4 aos 6 anos; a escola primária para alunos de 7 a 12 anos; secundária de 12 a 18; com prédios fechados, salas de aula, alunos enfileirados, uniformizados, padronizados, homogeneizados; organização esta que está completamente dentro de um padrão convencional e obsoleto para o desenvolvimento de uma educação para a liberdade e para a autonomia. 


Dá para arriscar dizer então que, na prática, após o governo de Vargas, as escolas se transformam mais no sentido estrutural do que propriamente no sentido filosófico, fundamentalmente porque o Estado Novo, assim como toda ditadura, fechou-se à aceitação de certas filosofias de uma educação para a liberdade e autonomia, fazendo com que essas ideias não se materializassem, considerando revolucionário somente as ideias estruturais e técnicas, deixando de lado os ideais filosóficos e sociológicos, inclusive os próprios projetos escolanovistas – outrora apoiados por Vargas – foram abandonados, por se pautarem num cunho democrático.


Na era dos governos populistas pós-estado novo, adentramos num conflito entre escola pública e escola particular, aquela defendida pelos escolanovistas e pelo Estado, e esta defendida pelos empresários da educação privada e pela igreja católica – salientando, porém, que ambos se interessavam mesmo por um ensino técnico para o trabalho. Considero esse ponto importante porque é um ponto nevrálgico do processo de educação para liberdade e para a autonomia no Brasil, pois trata da possibilidade de haver certa liberdade institucional a partir da desestatização da educação. Infelizmente, graças ao contexto cultural da época – e de nossas heranças convencionais – o apoio às escolas particulares, nesse momento, jamais pudera ser considerado uma posição democrática de fato, pois a igreja católica, juntamente com os empresários da educação, alargaram uma corrida conjunta pela desestatização da escola, engendrando um elitismo proselitista da educação no Brasil, pautando suas ações somente nos princípios do lucro, deixando-nos uma herança cultural muito forte dessa posição até hoje, a exemplo da “indústria do vestibular” e da força da tradição convencional educativa das grandes escolas confessionais.


Os anos 1960 foram transformadores para a educação no sentido filosófico, pois trouxeram ideias e princípios educacionais pautados numa liberdade e autonomia plenas, à parte de uma luta entre empresas educativas (escolas particulares) e financiamento de mão de obra estatal (escolas públicas obrigatórias). Nesse momento, surgem pessoas de pensam e lutam por uma educação que considero transformadora de fato, a exemplo do Paulo Freire dos Círculos de Cultura, do Ivan Illich e do Everett Reimer da desescolarização, da adoção constante da pedagogia Montessoriana (a pedagogia do século da criança!) e do desenvolvimento das pedagogias Waldorf no Brasil – sendo, em minha opinião, esses os maiores movimentos revolucionários da educação no Brasil até hoje, por carregarem em seus ideais e em suas práticas educativas e de vida, a negação do maniqueísmo público-privado/ideologia-mercado, além de se fundamentarem numa educação para a formação cultural em todas as instâncias da vida do sujeito (Illich e Reimer ultrapassando essa perspectiva, chegando a permear por uma perspectiva nietzscheanista da educação, de uma antipedagogia ou mesmo uma psicagogia como pedagogia). Nessa perspectiva, atenta-se de fato para a formação da mentalidade das crianças a partir de uma liberdade real, fundamentalmente, indagando se estas deveriam mesmo estar longe dos cuidados familiares num tempo tão conturbado politica e economicamente. Contudo, essa proposta educativa foi pontual no processo de transformação educativo brasileiro, sendo mais comum nesse momento (dentro das alternativas às propostas anteriores) as propostas pedagógicas das teorias crítico-reprodutivistas, crítica dos conteúdos e histórico-críticas.


Com a chegada da ditadura civil-militar no Brasil, em 1964, sobressaem-se, obviamente, as pedagogias técnico-produtivistas, que deixaram uma herança tão forte na estruturação dos ideais de educação no Brasil, que até hoje a grande maioria das escolas, e dos próprios programas de educação do Estado, baseiam-se na estrutura básica repensada nessa época (já herdada estruturalmente dos projetos arcaicos anteriores), pautadas nos princípios de racionalidade, de eficiência e de produtividade. Obviamente que hoje há acréscimos nesses ideais convencionais, provenientes da ascensão da democracia, organizando-se uma espécie de “pedagogia técnico-produtivista democrática”, em que prevalece, na grande maioria das escolas públicas ou privadas, os muitos dos princípios sistematizados e fundamentados no regime militar.


Em 1971, através da Lei 5.692/71, oficializa-se o tecnicismo clássico nas escolas, a partir de uma reforma nos primeiros e nos segundos graus. Nesse momento, as escolas enxergam, nas crianças pequenas, adultos em potencial (trabalhadores potenciais, criminosos potenciais, industriais potenciais, intelectuais potenciais, políticos potenciais, etc.), estruturando uma sistemática militar nas escolas, através do resgate de características tradicionais dos quarteis, com hinos, juramento à bandeira, ações hierarquicamente autoritárias, etc., com objetivo de regularem esses “potenciais”. Tal modelo se fortalece muito pela necessidade de criação de mão de obra para o modelo econômico então vigente no Brasil (baseado no fordismo e no taylorismo), e a escola, mais do que em qualquer outro momento no Brasil, passa a ser a principal condutora dessa padronização, prevalecendo a ideia das crianças enquanto capital humano potencial


O princípio da racionalidade, nesse momento e nesse sentido, nega a toda a criança – pois o ensino escolar é obrigatório para todos –, a oportunidade de “perder tempo” – princípio da otimização –, pois o ócio passa a ser considerado ineficiente para a produtividade, fundamentando a pedagogia técnica nos princípios da neutralidade, da objetividade, e da operacionalidade. Em suma, o trabalhador deve se adaptar cada vez mais rápido ao processo de trabalho, na medida em que as crianças devem se adaptar mais cada vez mais rápido ao processo escolar. Assim, cada vez mais cedo, as crianças deveriam obrigatoriamente entrar na escola e lá permanecer até que saísse um adulto modelo para servir ao mercado dessa ebulição econômica. 


As ações de ler, escrever, contar, etc., passam a ser, então, oficial e largamente difundidos – além de legitimados pelo behaviorismo – em substituição à “perda de tempo” do brincar, das atenções às subjetividades do ser, etc., fazendo com que o processo educacional seja “mecanizado” através de uma forte organização racionalista e instrumentalista. A criança que não seguisse esse padrão – não soubesse ler e contar desde muito cedo – era considerada “atrasada”, e precisava se “adiantar” para alcançar os outros e permanecer igual a todos. Do ponto de vista administrativo, dá pra dizer que as mesmas características que estruturavam uma fábrica, passam a estruturar a escola, gerando uma enorme burocratização do processo educacional, amarrando abusivamente a oportunidade de criação e de transformação do ser, gerando uma sociedade de mentalidade técnica e produtivista.


Do meio para o final do regime militar, fortalecem-se outras tendências pedagógicas, voltadas para um ensino “democrático”, sendo as chamadas tendências crítico-reprodutivistas as mais cotadas no momento. Chama-se de tendências críticas porque as teorias que elas integram postulam não ser possível compreender a educação senão pelos seus condicionantes sociais; empenham-se em explicar a problemática educacional, remetendo-a sempre a seus determinantes objetivos; e é reprodutivista porque suas análises chegam invariavelmente à conclusão de que a função básica da educação é reproduzir e manter as condições sociais vigentes básicas. Aqui encontramos o ponto central de nossa critica à escolarização: em nossa opinião, a educação poderia alertar, e, fundamentalmente, transformar nossa deplorável condição social, em vez de simplesmente formá-la, reproduzi-la e mantê-la nas mesmas condições – característica da grande maioria das escolas no Brasil hoje. 


Na sequência surgem outras tendências mais radicais, que vão, a partir dos anos 1980 e 1990, transformar de fato algumas práticas educacionais, alcançando uma práxis pontual em determinadas localizações do Brasil. São elas: as tendências crítica dos conteúdos e as histórico-críticas. É, contudo, graças ao fim do regime ditatorial, que essas tendências começam a se materializar. A tendência crítica dos conteúdos fundamentalmente critica e tenta transformar uma educação conteudista, fundamentando-se na democratização do ensino e na escolarização pública gratuita. Já a tendência histórico-crítica está baseada na dialética materialista histórica marxista, que fundamenta a necessidade da função social da escola se pautar na prática social, ou seja: a educação escolar deveria partir da prática social para a prática educacional, e não o contrário. Algumas escolas então passam a se organizar em função dessas novas tendências, e reivindicam para si – algumas com razão, outras não –, um status de escola democrática, outras um status de escolas “libertárias” – sem razão, pois as escolas libertárias se referem a tendências surgidas nos porões dos movimentos anarquistas que, por si só, seria um movimento político que, na prática, acabaria por negar a escolarização, e não sistematizar um esquema escolar.


Contudo, mesmo com essas novas tendências como herança recente, a prática geral educacional escolar na atualidade, permanecem ainda extremamente fundamentada nos princípios surgidos no regime militar, acoplando-se a esses princípios, fundamentações democráticas, como por exemplo, a partir da nova legislação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – ainda atuais –, a inserção dos chamados Temas Transversais. Nessa perspectiva, o ensino dos dois primeiros ciclos básicos (1º e 2º anos, 3º e 4º anos, respectivamente) deveria conter, como base, irremediavelmente, temas como ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, e pluralidade cultural, paralelamente ao ensino de português, matemática, ciências, artes e educação física. Ou seja: uma tentativa de atribuir ao racionalismo educacional herdado e construído culturalmente no Brasil, alguns princípios mais humanos, por meio da atenção à subjetividade dos sujeitos no processo educativo, embora na prática, isso raramente aconteça.


Mas o fato das escolas não terem mudado sua estrutura básica (física e profissional), elas não conseguem manter por muito tempo essa “educação”, pautada nesses tais temas transversais. Por meados e fim dos anos 1990, muitas escolas que optaram pela proposta de abordar tais temas como temas principais, faliram; ou falharam na tentativa de partir para uma transformação real na educação de suas crianças. Faliram (ou se adequaram ao modelo padrão do mercado educativo atual) porque o sistema econômico de financiamento da educação (público ou privado) ainda exige praticamente as mesmas adesões político-filosóficas que à época dos anos 1970. Logo, essas escolas fecham, ou viram grandes empresas propedêuticas de acesso ao ensino de nível superior (pré-vestibulares). Nessa dinâmica, as crianças dessas instituições passam a sofrer no limbo que essas escolas se encontram, pois a grande maioria dessas escolas não consegue manter essa fusão, e acabam se adaptando melhor ao grande sistema já engendrado. Quando não o fazem, sucumbem aos poucos. 


Porém, dos anos 2000 pra cá, tem havido certo aumento no número de escolas que se propõem a transformações reais do seu funcionamento. Aos poucos, parece que muita gente vem sentido que uma educação pautada apenas nos princípios racionalistas e de eficiência produtivista não tem (trans)formado adultos mais humanos e mais éticos que outrora. Nesse sentido, muita gente tem se mobilizado para tentar mudar essa realidade, tentando não seguir qualquer caminho já proposto pedagogicamente, e levando sua instituição a preceitos e práticas distintas do que foi proposto até aqui – fundamentalmente, mudando toda uma estrutura. 


É nessa esteira que vamos seguindo na esperança de um dia poder ver transformações reais que, em meu ver, só serão possíveis em larga escala quando saírem do veio institucional legal, e indiscutivelmente passar por uma transformação tão radical, mais tão radical, a ponto de se desmanchar o ideal e a estrutura escolar, em função de outros ideais e estruturas. Sabendo que não é lutando contra o velho, mas sim construindo o novo, que conseguimos nossas transformações, acreditamos que, talvez, a própria ideia de desconstruir a escola, para poder (re)construir outra coisa (quiçá uma “escola” enquanto organização social voluntária), seja a grande transformação necessária para o século XXI – e para o tratamento mais humano das crianças na nossa era.


PS. Esse texto constitui uma síntese, a partir da leitura da obra de Demerval Saviani, intitulada História das Ideias Pedagógicas no Brasil (2007). Embora saibamos que esse livro não analisa profundamente as práticas pedagógicas e educativas no Brasil, mas sim a legislação e as ideias que surgem nos projetos políticos e educacionais a partir de uma perspectiva histórica político-econômica, ele nos ajuda a pensar como essa prática poderia ter sido conduzida, e como de fato pode vir sendo conduzida nos dias de hoje, a partir de um exercício de imaginação estruturado a partir de uma análise histórico-crítica (própria do Saviani). Contudo, ainda entendo esse livro como uma percepção histórica generalista e convencional, cronológica e linear. Por isso tentei, nesse texto, focar uma ideia específica, a saber, a questão da educação escolar com relação às crianças, deixando propositadamente de lado questões mais voltadas a outras etapas do ensino (como a dos adolescentes, das universidades, e práticas docentes específicas de casos específicos).





segunda-feira, 28 de abril de 2025

ECOS DOS CARNAVAIS

UMA BREVE HISTÓRIA DO FREVO

Esses dias me deparei com a vontade de resgatar leitura de uma antiga pesquisa sobre a musicalidade do nordeste, nos anos 1960 e 1970, que comecei a entrar em contato ainda no pibic, em 2008, quando direcionei a pesquisa para o movimento udigrudi (que inclusive tem um textinho sobre esse movimento aí aqui nesse blog).

Pois bem, recomecei a ler esses rabiscos e encontrei algumas anotações sobre a musicalidade do frevo e me empolguei. Então comecei a catucar e encontrar coisas novas que me animaram e fiquei com vontade de compartilhar alguns recortes por aqui. 

Aí, quem quiser mergulhar comigo nesse recorte-viagem, convido a pegar um fone de ouvido e seguir o fio, porque vamos ter uma história e vários links pra ouvir as músicas!

(orquestra-de-frevo-1940-alexandre-berzin-fundaj)

O frevo é uma expressão musical que passou por incontáveis influências, mas, sobretudo, da musicalidade urbana. Música e dança estão ligadas à tradição da classe trabalhadora e do povo negro pernambucano.  


O primeiro frevo registrado fonograficamente na história foi “Marcha do Regresso”, atualmente conhecido como Vassourinhas (Marcha nº 1 do Clube Vassourinhas), criado e composto por Joana Batista Ramos, mulher pobre, negra, lavadeira e trabalhadora de serviços domésticos..


..em parceria com Mathias da Rocha..


..homem negro, pobre, violonista e amigo de Joana.. 

Lá nos idos de 1909, data do registro em cartório da composição, l[a nomeada originalmente como Marcha do Regresso, que foi vendida por Joana ao Clube dos Vassourinhas”, por três mil réis, junto com uma letra (!), em 1910


Entre 1889 e 1930 o frevo tomou forma entre trabalhadores e trabalhadoras negras de Recife e Olinda, com então destaque para criação e crescimento do Clube dos Vassourinhas, inicialmente formado por trabalhadoras e trabalhadores da limpeza urbana (varredores, juntamente com diversos outros clubes.. de carvoeiros, lenhadores, verdureiras..)

Registrada em 1909, a primeira gravação da “marcha do regresso” só se realiza em 1945, com a letra alterada, na voz dos músicos cariocas Déo e Castro Barbosa, pela gravadora Continental, do Rio de Janeiro.

primeira gravação da “marcha do regresso” (1945)

Se esta rua fosse minha
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas de brilhante
Para meu bem passear
A tristeza, vassourinhas,
Invadiu meu coração
Ao pensar que talvez nunca
Nunca mais te beije, ah não!
A saudade, vassourinhas,
Enche d’água os olhos meus
Que tristeza, vassourinhas,
Nesse derradeiro adeus

Embora o frevo que você acabou de ouvir tenha sido escrito e registrado em cartório por Joana ainda em 1909, segundo Leonardo Dantas, “Almirante (Henrique Domingues, cantor, compositor e radialista brasileiro) não fez tão somente uma simples adaptação da marcha, mas [...] simplesmente escreveu uma nova letra que denominou de ‘Marcha Regresso’ (!) que veio a ser apresentada como verdadeira por Ruy Duarte, no seu História Social do Frevo" (que é a letra do registro de 1945, que você ouviu há pouco)

Já em outra referência (Projeto de Salvaguarda do Frevo, 2010) aparece outra letra:



Após 1945, tenho conhecimento de outra gravação dessa marcha, que se realiza só em novembro de 1949, agora sob a batuta do paraibano Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara, também pela Continental, do Rio de Janeiro, agora já com o nome Frevo dos Vassourinhas”, e sem letra, como ficou mesmo conhecida depois

Segunda gravação da Marcha do Regresso, agora Frevo dos Vassourinhas (1949)

Logo esse frevo se tornou então a música mais tocada do carnaval pernambucano.

E aí só quatro anos mais tarde acontece o registro fonográfico de outro frevo:

Tio Sam no Frevo, 1953, Orquestra Tabajara)

Tio Sam no Frevo é de autoria do trompetista Geraldo Medeiros e surge aqui também na interpretação da Orquestra Tabajara (da qual Geraldo fez parte) sob a regência do maestro Severino Araújo, em gravação lançada em janeiro de 1953 pela gravadora Continental.

De quatro em quatro anos se gravava um frevo, parece.. outros tempos e velocidades de registros de sons e imagens, né?

Eu fico só imaginando a quantidade de frevos que já estavam sendo criados e executados nas ruas dos carnavais de Olinda, Recife e interior de Pernambuco durante esses oito anos e que não foram registrados na época, sendo que, após a proibição do entrudo, em meados do século XIX, já se tem registro de partituras de marchas herdadas de dobrados e maxixes, que, com o tempo, foram se transformando nos vários estilos de frevo.

(Inclusive, quem souber de referências sobre histórias do carnaval no nordeste nesse período aí (1800-1900), por favor, me passa aí! <3)

Em 1957 a gente passa a se tornar independente do Rio de Janeiro, no que tange ao registro fonográfico das músicas daqui. Eis que se monta em Recife a gravadora Rozenblit, com uma estrutura absurda, inclusive, com estúdio próprio de gravação para orquestra e uma orquestra própria para execução de frevos e outros estilos musicais

Discografia brasileira - Destaque para o frevo nº3, de Antônio Maria (18º música da lista, de cima pra baixo)

A história da Rozenblit começa em 1955/1956 e é inegável que ela é, a partir das suas primeiras gravações de frevos, em 1957, a grande responsável pelo registro fonográfico desse estilo na nossa região na época.

Extremamente estruturada e sediada em Recife, gravava músicas produzidas por artistas do nordeste inteiro e ainda cobria 25% da produção fonográfica nacional. Sem dúvida isso abria oportunidades para que músicos e orquestras daqui tivessem mais facilidade e autonomia para gravar suas composições, salvo questões sócio-adstringentes.


E, finalmente, os primeiros frevos gravados em Recife, pela Rozenblit, em 1956 e 1957:

Vassourinhas, com as variações do saxofonista Felinho e interpretada pela Orquestra Mocambo, sob a batuta de Neslon Ferreira

Vassourinhas, Orquestra Mocambo, 1956

Evocação (que depois virou Evocação nº1), do próprio Nelson Ferreira

(Evocação, 1957)

e “Vem Frevendo”, ratificando o nome do estilo, composição de Nelson Ferreira e com interpretação da Orquestra do Clube da Polícia Militar de Pernambuco

(Vem Frevendo, 1957) 

Enquanto isso, no Rio de Janeiro de 1956, a RCV/Victor gravava (entre outras) “Tempo Quente”, de Edgar Moraes, interpretado por Zaccarias e sua Orquestra.

A RCA/Victor já fazia juz ao seu papel de registradora de áudios de frevos, junto com a Continental, embora o objetivo delas, acredito eu, seja bem comercial, um tipo “frevo pra exportação”..

(Tempo Quente, 1956)

E aqui o registro de um mais antigo ainda, com gravação registrada em 1952, também executado por Zaccarias e sua Orquestra e gravada na RCA/Victor, que traz uma gama de gravações de frevos muito importantes pro momento, compostos e gravados entre 1952 e 1957.

(Frevo na Rua Nova, 1952)

“Lá na rua, eu fervo” (frevo) |”a coisa é de ferver” (frevê) | “Já tá fervendo” (frevendo).

Segundo Walmir Dantas, essas eram as expressões que se ouvia da boca dos foliões na década de 1900, enquanto seguiam as troças e os clubes de rua em Recife.

Em 1957, o compositor Nelson Ferreira fixou esta ideia no pentagrama musical, compôs o frevo-de-rua “Vem Frevendo”, e a música foi lançada para o carnaval de 1958.

Diz-se que Nelson Ferreira é um dos compositores brasileiros com mais composições gravadas na história. Interessante dar uma olhada nos seus frevos mais antigos, para além das sete evocações que ele criou.

Nesse disco a seguir aí você encontra as sete evocações dele.

(Meio Século de Frevo de Bloco, Nelson Ferreira, Vol. 1) - Com as vozes do Coral de Batutas de São José e sua Orquestra, junto com a regência e arranjos do próprio Nelson Ferreira.

E, particularmente, dessas marchinhas dele, gosto muito dessa aqui:

(Não Puxa, Maroca, 1929) - Orchestra Victor Brasileira - NÃO PUXA, MAROCA - marcha-nortista (depois nomenclaturada como frevo-canção) de Nelson Ferreira

Segundo os registros, essa gravação que você ouviu no storie anterior é de 1929, realizada pela ODEON. Observe que é uma gravação mais antiga do que a Vassourinhas, de 1945, né?

Mas ainda não era frevo.. era marcha.

Isso causa certa confusão, né?... rs.. a questão é que vassourinhas já nasceu frevo. De rua. Frevo canção e frevo de bloco são estilos que se firmam pouco depois como frevo, a partir das transformações das marchas e marchas-polcas e que, apesar de também serem tocados nas ruas, eram muito mais comuns serem tocados nos clubes e locais fechados “aristocráticos”.


Tanto que a origem social de Nelson Ferreira é bem diferente das de Joana e Mathias, por exemplo. Teve oportunidades que o povo pobre não teve.

A letra de “Não Puxa, Maroca”, nessa gravação que vai se seguir aí no próximo storie, pra mim, já me soa mais como frevo do que como marcha (embora ainda seja marcha.. só depois que as marchas passam a marchas-frevo e depois frevo de bloco). E essa, em especial, o instrumental ainda pode ser um bom frevo de rua. E um excelente frevo canção.. rs.. 

Você consegue ouvir “Não puxa, Maroca” com a letra aqui, ó, em 1min28seg

(Nelson Ferreira, História do Carnaval - vai lá em 1min28seg)

Maroca o teu gato
É um bicho gaiato
É um bicho bonito,
É um bicho bonito...
Tu puxas, Maroca, no rabo
Mas olha o diabo
Que rabo de gato não é pirulito
Que rabo de gato não é pirulito!
Maroca, o teu ganso
É um bicho até manso
Que nunca estrebucha
Que nunca estrebucha...
Tu puxas, Maroca, o pescoço
Mas, mesmo sem osso
Pescoço de ganso não é puxa-puxa
Pescoço de ganso não é puxa-puxa!

Nelson Ferreira é um capítulo à parte aqui, porque têm muitos registros de composições dele com outras pessoas, entre 1929 e 1945, algumas canções que se aproximam muito de frevo, outras mais da marcha, mas, no fundo, tudo vira frevo em algum momento.

Se liga só mais nessa aqui, chamada “Que matá papai, oião?”, de 1945.

Acompanha a letra na descrição do vídeo lá..

Enfim, voltando à Vassourinhas e à Evocação, aqueles registros de 1956 e 1957 foram as primeiras gravações de frevo pelo selo Mocambo.

A Rozenblit tinha 3 selos diferentes para os diferentes estilos regionais e nacionais da música. O selo Mocambo era o selo das músicas regionais.

Mas enquanto a Rozenblit se organizava por aqui, as gravadoras RCA/Victor e Continental, sediadas no Rio de Janeiro, não pararam de gravar nossas músicas e, um ano antes da Rozenblit lançar Evocação, em 1957, a Continental já lançava uma primorosa coletânea com 7 frevos (incluindo aquela versão de Vassourinhas, de 1949) executados pela Orquestra Tabajara, sob a batuta de Severino Araújo.

Essa coletânea reuniu diversos frevos, compostos entre 1941 e 1951, por artistas pernambucanos (Joana Batista Ramos e Mathias da Rocha, Levino Ferreira, Severino Araújo, Edvaldo Pessoa)  e paraibanos (Geraldo Medeiros). 

(A Tabajara no Frevo, 1956)

Esse disco da paraibana Orquestra Tabajara é das primeiras gravações mais organizadas de frevo que conheço, antes da Rozenblit gravar Evocação em 1957 e iniciar seu primoroso trabalho de registro e divulgação de vários outros frevos que veremos anos mais tarde.

Nesse ínterim aí, tem muita história, né? Porque antes de qualquer registro fonográfico, o frevo de rua já era executado pelas orquestras nas ruas, já na segunda metade do século XIX (Joana Baptista registrou sua marcha do regresso em 1909 (!).

Existem registros dos primeiros desfiles do Clube Vassourinhas já em 1889, assim como registros de Dobrados e Marchas grafadas em partituras, de 1895, 1897, 1899, 1900, 1910, 1914, 1915.


Mas também tinham aí outros clubes e troças, né? Clube Lavadeiras de Areias, Clube das Pás.. Clube Lenhadores.. Clube Andaluzas.. Batutas de São José.. enfim.. é muita coisa.. tem muita história aí.. 

A Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense, por exemplo, foi fundada em 15 de fevereiro de 1921, né? E com certeza já desfilava com orquestras muito antes dessas gravações. Quem eram essas orquestras? Da onde vinham? Vale uma pesquisa profunda aí (sem falar que a própria história do mote do velho do Cariri tem a ver justo com a região do Crato, no CE, que está completamente ligada ao universo do udigrudi e do movimento contracultural nos anos 1970, cuja Rozenblit foi pioneira no registro desses trabalhos).

Mas é isso: agora com uma gravadora cediada em Recife, muitos compositores e orquestras começaram a criar, executar e registrar seus frevos aqui.. aos poucos, com o passar dos anos, a Rozenblit já acumulara dezenas de discos de frevo (e de diversos outros estilos também), tornando nosso mercado e registros fonográficos independentes das grandes gravadoras sediadas no Rio.

O acervo musical de frevo da Rozenblit é absurdo e foi digitalizado recentemente.

Se liga na lista do próximo link aí. Um apanhado de TODOS os frevos gravados pela Rozenblit, de 1957 até quando a gravadora fechou suas portas em 1983.

São mais de 151 registros, entre frevos avulsos e discos completos.

(Acervo Rozenblit de Frevos)

Alguns desses álbuns são muitos famosos, como, por exemplo, esse aqui, ó, que eu gosto muito:

(O Frevo Vivo De Levino - Orquestra de Frevo de José Menezes)

Ouvindo essas pérolas resgatadas pela Rozenblit, a gente vai percebendo que vários frevos de rua conhecidos, desses que as orquestras tocam na rua aqui em Olinda no carnaval, muitos deles tinham letra originalmente.

Até hoje fico de cara quando descobro certas letras.

Se liga nos primeiros 30 segundos do frevo “Abertura, nesse link que segue

(Capital do Frevo 77 - Última Produção e Arranjos de Nelson Ferreira)

Uma introdução, com letra, à letra de Evocação nº1! É babado, viu?

Pronto. Vou parar por aqui agora e em algum outro momento sigo pra um aspecto do assunto um pouco mais polêmico.. o frevo e as bandas militares.. 

Uma coisa que eu descobri na vida e que me deixou bem impressionado, é que muito do frevo de rua, antes mesmo dos registros fonográficos, era bastante executado por bandas militares, uma herança do dobrado e das marchas marciais - como esses regravados nessa coletânea aqui

(Três Séculos de Música Brasileira - Dobrados)

Se você fizer uma rápida pesquisa, vai descobrir gravações da banda da aeronáutica, da banda da polícia militar de PE, da Banda do 14º Regimento de Infantaria do exército.. gravações primorosas, por sinal, realizadas mais tarde, a partir de 1972, vinculado ao programa de rádio O Tema É Frevo, que sob a tutela do arranjador, compositor e radialista Hugo Martins, que produziu 10 coletâneas de frevo a partir desse programa 

(10 Coletâneas de frevo das orquestras militares)

Vários frevos de compositores famosos como Levino Ferreira, Zumba, Nelson Ferreira, Carnera, Capiba, Raul Moraes, Toscano Filho, foram gravados nessas coletênas.

Em 1972, Toscano Filho compôs o frevo de rua O Tema é Frevo especialmente para o programa, o qual foi gravado originalmente pela Banda da Base Aérea do Recife, nos discos Rozenblit

 (Disco “O Tema É Frevo - Vol. 1” de 10)

Graças à grotesca e bizarra era da Ditadura Civil-Militar no Brasil, há uma problemática quando buscamos saber se a música do frevo surgiu das orquestras militares ou das orquestras civis. É óbvio que já se percebe historicamente que nasceu no meio do povo (vide a história de todos os clubes e orquestras civis, vide a história de Joana Batista, enfim), mas a influência das orquestras militares e dos militares no meio das orquestras civis de frevo era também absoluta, sendo impossível negar essa influência das orquestras militares na salvaguarda da musicalidade do frevo.

Em resumo, o que se sabe é que havia grande mistura entre todo esse pessoal aí: civis e militares. Os frevos gravados nos anos 1940 e 1950 são de compositores civis, mas é inegável a influência das execuções musiciais militares nesse meio.

O maestro Severino Araújo (aquele lá da Orquestra Tabajara), por exemplo, era filho de militar e aprendeu o ofício de músico graças aos militares, praticando na orquestra militar, inclusive se tornando regente de uma delas.

É importante lembrar também que nesse momento histórico aí do surgimento da musicalidade do frevo, estamos há poucos anos pós Revolução de 1817 e da República, e sabemos todes que essas etapas da história do Brasil é institucionalmente tomada pelo poder militar.  

Mas as primeiras gravações mesmo, de frevo, são lá da metade pro final dos anos 1940 (isso sem considerar as marchas que vão “virar” frevo de bloco, gravadas nos idos dos anos 1929, 1930). 

E embora muitas orquestras de rua e profissionais (principalmente) tivessem militares em suas formações (quando não fossem praticamente toda formada por estes), as releituras e composições exclusivamente militares começam a ser registradas de forma mais organizada e em separado só a partir de 1972 (salvo as gravações avulsas encontradas por aí, como por exemplo Vem Frevendo, composição de Nelson Ferreira e com interpretação da Orquestra do Clube da Polícia Militar de Pernambuco.



















Mas como eu já disse, muito antes o frevo já era tocado na rua. Inclusive, o frevo de rua é mais antigo do que o frevo de bloco e do que o frevo canção, né? Embora que nas primeiras gravações da Rozenblit estivessem muito presentes esses dois últimos também.

Existe um resgate das partituras dos frevos executados antes dos anos 1930 e sabemos pela história dos clubes e troças daqui que o frevo de rua já era clássico nos anos 1930.

Se liga nesse resgate de frevos de rua, de 1912 a 2000, da Orquestra de Frevos Vassourinhas de Olinda

(Orquestra de Frevo de Vassourinhas de Olinda - 1912-2000)

Embora essa gravação seja recente, o projeto foi justo resgatar os frevos mais antigos escritos. É uma coletânea de 1912 até 2000, né? É muito tempo.

Mas é inegável: as bandas marciais e militares foram fundamentais para a criação e sobrevivência do frevo de rua.

Há relatos de Hugo Martins, inclusive (aquele do programa O Tema é Frevo, da Rádio Universitária) que fala da importância das bandas marciais e militares nesse processo de execução e gravação dos frevos.

Esse programa (O Tema É Frevo!) engendrou a gravação de 10 discos contendo frevos clássicos e novos, executados por bandas militares, né? É muita força. Sa sequência segue mais um que gosto bastante dessa coleção

(“O Tema é Frevo - vol. 03” de 10)

Primorosa criação e execução: frevo para piston, de Correia de Castro.

Algumas fontes relatam bem a mistura das orquestras.. orquestras militares e civis dividiam as ruas.. muitas vezes a orquestra civil era formada por militares oriundos de famílias de músicos da época da revolução pernambucana de 1817, quando o governo provisório republicano incentivou e até investiu na formação de bandas marciais e de fanfarra..

se liga nesse relato:


O dobrado, a marcha, a valsa, o maxixe, a polca, o lundu, foram estilos musiciais criados por aqui, a partir de misturas diversas, que com o tempo deram origem ao frevo, ao choro e ao samba.. essa é outra vertente da pesquisa.. que não vou trazer aqui agora não..

Mas se liga só nesse resgate musical aqui, de estilos muito executados no século XIX, aqui no Brasil, e que influenciaram bastante a criação do frevo:

(Playlist Bandas de Música)

3 séculos de música - maxixes

Aos poucos, a orquestra da PMPE conseguiu status de Companhia Independente, o que facilitou ainda mais a participação dos militares nas orquestras


De fato, Zuzinha, nas décadas de 30 e 40 do século XX, conduziu o frevo e a banda da polícia militar a um reconhecimento nacional, haja vista gravações realizadas por compositores, maestros e músicos do século XX, com particular papel fonográfico para a Rozenblit, às divulgações fonográficas e aos programas de rádio. Foi aí que se diz que ficou estabelecida a subdivisão rítmica, que consta nas partituras do acervo da banda da polícia militar: o frevo-de-rua, o frevo-canção e o frevo-de-bloco (este último, para  alguns, marcha-de-bloco).

Um brevíssimo adendo sobre a dança do frevo - só pra contextualizar sobre as misturas todas que fez do frevo o que ele é hoje, porque aqui já é outro outro adendo da pesquisa rs.. - é que a galera da capoeira usava a capoeira para conseguir se impor e brincar na rua ao som das bandas marciais e orquestras que tocavam marchas e marchas-frevo nos cortejos, já no início do século XIX, quando pobres e pretes eram proibidos de brincar carnaval nos salões onde as músicas mais “clássicas” (como as valsas e polcas) eram executadas..

..a galera ía pra rua dançar e brincar e, dessa mistura de movimentos da capoeira e da dança-brincadeira, surgiu o passista e a dança do frevo..

(guerreiros do passo)

Então, o frevo todo veio de uma mistura absurda, né? Mistura de orquestras civis, orquestras militares, que muitas vezes tocavam juntas, mas que também aos poucos foram construindo uma richa (inclusive já vi fontes dizerem que as orquestras militares contratavam - olha só! - capoeiras, para defender o cortejo, que tinha em média 50, 70 músicos..).. isso é uma onda, né? Porque mostra a força e a imponência da capoeira na própria percepção das instâncias autoritárias, como a polícia, por exemplo. 

E que por sua vez contratavam capoeiras pra defender do próprio povo o cortejo do bloco que era pro povo (mas que povo, né? socorro), e esse povo entrava em conflito com a polícia quando ela vinha afrontar a galera simples e preta que queria brincar e que aprendeu a jogar capoeira pra se defender da polícia e se impor na rua com direito de brincar também e o capoeira contratado brigando com capoeira brincante..

E orquestra brigando com orquestra.. e brincando junto.. e tocando junto..

Inclusive, até hoje, né? As orquestras têm uma herança nessa richa. Quando uma encontra outra no cortejo na rua no carnaval, uma quer abafar a outra (criando aí um subestilo pro frevo de rua: o frevo-abafo.. que serve justo pra abafar a outra orquestra..)..

Bom, uma coisa que eu sinto atravessar forte é como a prática de ser músico profissional fez dos músicos militares pessoas que saíam pra rua pra tocar frevo no carnaval. Muita gente pode até pensar que eles tão fazendo isso por dinheiro, né? Afinal, é o trabalho deles. Mas, sinceramente, eu não acho que seja só por isso. Existe um sentimento aí, um amor pela música, pela magia nosso corpo acessa através dela, algo que é causado pelo efeito intersubjetivo que a música provoca e os lugares que ela acessa na gente.

Muita coisa aconteceu depois da revolução de 1817, que fez com que o pernambucano se apoiasse em parte do ideário militarista raso pra tomar o poder.. e talvez isso até justifique grande parte da sociedade brasileira apoiar uma ditadura nos nos 1960 (uma conjecturação.. nunca li nada sobre isso..).

Queria só deixar registrado a ausência (ainda) aqui de maiores informações sobre a influência das mulheres no processo de construção da musicalidade do frevo.. assim como a ausência de informações sobre as influências da musicalidade indígena.

Trata-se de um recorte bem pequeno ainda, e que tenho a consciência de que muitas mulheres foram também instrumentistas, compositoras e maestras do ritmo e do passo, mas que (infelizmente) foram apagadas da História.

Assim como também tenho a consciência de que muitos desses homens, grandes maestros, músicos e arranjadores também, só puderam fazer o que fizeram e estar onde estiveram porque provavelmente havia mulheres cuidando deles, dos seus filhos, das suas casas e organizando suas vidas. Caso contrário, não teriam tido tempo pra tanta coisa.

E essa coisa da “história” das “primeiras músicas brasileiras”. Muitos pesquisadores entendem o choro, o frevo e o samba como matrizes primeiras da música “genuinamente brasileira”, mas na grande maioria das vezes esquece a vasta influência da versatilidade da musicalidade indígena nesse processo, assim como da musicalidade negra (embora esta seja mais comum de ser mencionada hoje em dia na formação epistêmica do frevo, do choro e do samba, porque é óbvio, né?). 

Tem um material muito legal do Paço do Frevo, que traz a influência das mulheres nesse processo de criação e manutenção do Frevo. Vou deixar dois links muito bons aqui pra quem se interessar sobre essa especificidade, e quem souber mais sobre esse tema, me diz aí referêcias. :)

(MULHERES NO FREVO E SUA HISTÓRIA)

(paço do frevo - elas são frevo!)

(Fontes dos recortes em preto e branco)

(Fontes dos recortes em preto e branco 2)