UMA BREVE HISTÓRIA DO FREVO
Esses dias me deparei com a vontade de resgatar leitura de uma antiga pesquisa sobre a musicalidade do nordeste, nos anos 1960 e 1970, que comecei a entrar em contato ainda no pibic, em 2008, quando direcionei a pesquisa para o movimento udigrudi (que inclusive tem um textinho sobre esse movimento aí aqui nesse blog).
Pois bem, recomecei a ler esses rabiscos e encontrei algumas anotações sobre a musicalidade do frevo e me empolguei. Então comecei a catucar e encontrar coisas novas que me animaram e fiquei com vontade de compartilhar alguns recortes por aqui.
Aí, quem quiser mergulhar comigo nesse recorte-viagem, convido a pegar um fone de ouvido e seguir o fio, porque vamos ter uma história e vários links pra ouvir as músicas!
(orquestra-de-frevo-1940-alexandre-berzin-fundaj)
O frevo é uma expressão musical que passou por incontáveis influências, mas, sobretudo, da musicalidade urbana. Música e dança estão ligadas à tradição da classe trabalhadora e do povo negro pernambucano.
O primeiro frevo registrado fonograficamente na história foi “Marcha do Regresso”, atualmente conhecido como Vassourinhas (Marcha nº 1 do Clube Vassourinhas), criado e composto por Joana Batista Ramos, mulher pobre, negra, lavadeira e trabalhadora de serviços domésticos..
..em parceria com Mathias da Rocha..
..homem negro, pobre, violonista e amigo de Joana..
Lá nos idos de 1909, data do registro em cartório da composição, l[a nomeada originalmente como “Marcha do Regresso”, que foi vendida por Joana ao “Clube dos Vassourinhas”, por três mil réis, junto com uma letra (!), em 1910
Entre 1889 e 1930 o frevo tomou forma entre trabalhadores e trabalhadoras negras de Recife e Olinda, com então destaque para criação e crescimento do Clube dos Vassourinhas, inicialmente formado por trabalhadoras e trabalhadores da limpeza urbana (varredores, juntamente com diversos outros clubes.. de carvoeiros, lenhadores, verdureiras..)
Registrada em 1909, a primeira gravação da “marcha do regresso” só se realiza em 1945, com a letra alterada, na voz dos músicos cariocas Déo e Castro Barbosa, pela gravadora Continental, do Rio de Janeiro.
primeira gravação da “marcha do regresso” (1945)
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas de brilhante
Para meu bem passear
A tristeza, vassourinhas,
Invadiu meu coração
Ao pensar que talvez nunca
Nunca mais te beije, ah não!
A saudade, vassourinhas,
Enche d’água os olhos meus
Que tristeza, vassourinhas,
Nesse derradeiro adeus
Embora o frevo que você acabou de ouvir tenha sido escrito e registrado em cartório por Joana ainda em 1909, segundo Leonardo Dantas, “Almirante (Henrique Domingues, cantor, compositor e radialista brasileiro) não fez tão somente uma simples adaptação da marcha, mas [...] simplesmente escreveu uma nova letra que denominou de ‘Marcha Regresso’ (!) que veio a ser apresentada como verdadeira por Ruy Duarte, no seu História Social do Frevo" (que é a letra do registro de 1945, que você ouviu há pouco)
Já em outra referência (Projeto de Salvaguarda do Frevo, 2010) aparece outra letra:
Após 1945, tenho conhecimento de outra gravação dessa marcha, que se realiza só em novembro de 1949, agora sob a batuta do paraibano Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara, também pela Continental, do Rio de Janeiro, agora já com o nome ”Frevo dos Vassourinhas”, e sem letra, como ficou mesmo conhecida depois
Segunda gravação da Marcha do Regresso, agora Frevo dos Vassourinhas (1949)
Logo esse frevo se tornou então a música mais tocada do carnaval pernambucano.
E aí só quatro anos mais tarde acontece o registro fonográfico de outro frevo:
Tio Sam no Frevo, 1953, Orquestra Tabajara)
“Tio Sam no Frevo” é de autoria do trompetista Geraldo Medeiros e surge aqui também na interpretação da Orquestra Tabajara (da qual Geraldo fez parte) sob a regência do maestro Severino Araújo, em gravação lançada em janeiro de 1953 pela gravadora Continental.
De quatro em quatro anos se gravava um frevo, parece.. outros tempos e velocidades de registros de sons e imagens, né?
Eu fico só imaginando a quantidade de frevos que já estavam sendo criados e executados nas ruas dos carnavais de Olinda, Recife e interior de Pernambuco durante esses oito anos e que não foram registrados na época, sendo que, após a proibição do entrudo, em meados do século XIX, já se tem registro de partituras de marchas herdadas de dobrados e maxixes, que, com o tempo, foram se transformando nos vários estilos de frevo.
(Inclusive, quem souber de referências sobre histórias do carnaval no nordeste nesse período aí (1800-1900), por favor, me passa aí! <3)
Em 1957 a gente passa a se tornar independente do Rio de Janeiro, no que tange ao registro fonográfico das músicas daqui. Eis que se monta em Recife a gravadora Rozenblit, com uma estrutura absurda, inclusive, com estúdio próprio de gravação para orquestra e uma orquestra própria para execução de frevos e outros estilos musicais
A história da Rozenblit começa em 1955/1956 e é inegável que ela é, a partir das suas primeiras gravações de frevos, em 1957, a grande responsável pelo registro fonográfico desse estilo na nossa região na época.
Extremamente estruturada e sediada em Recife, gravava músicas produzidas por artistas do nordeste inteiro e ainda cobria 25% da produção fonográfica nacional. Sem dúvida isso abria oportunidades para que músicos e orquestras daqui tivessem mais facilidade e autonomia para gravar suas composições, salvo questões sócio-adstringentes.
E, finalmente, os primeiros frevos gravados em Recife, pela Rozenblit, em 1956 e 1957:
Vassourinhas, com as variações do saxofonista Felinho e interpretada pela Orquestra Mocambo, sob a batuta de Neslon Ferreira
Vassourinhas, Orquestra Mocambo, 1956
Evocação (que depois virou Evocação nº1), do próprio Nelson Ferreira
e “Vem Frevendo”, ratificando o nome do estilo, composição de Nelson Ferreira e com interpretação da Orquestra do Clube da Polícia Militar de Pernambuco
Enquanto isso, no Rio de Janeiro de 1956, a RCV/Victor gravava (entre outras) “Tempo Quente”, de Edgar Moraes, interpretado por Zaccarias e sua Orquestra.
A RCA/Victor já fazia juz ao seu papel de registradora de áudios de frevos, junto com a Continental, embora o objetivo delas, acredito eu, seja bem comercial, um tipo “frevo pra exportação”..
E aqui o registro de um mais antigo ainda, com gravação registrada em 1952, também executado por Zaccarias e sua Orquestra e gravada na RCA/Victor, que traz uma gama de gravações de frevos muito importantes pro momento, compostos e gravados entre 1952 e 1957.
“Lá na rua, eu fervo” (frevo) |”a coisa é de ferver” (frevê) | “Já tá fervendo” (frevendo).
Segundo Walmir Dantas, essas eram as expressões que se ouvia da boca dos foliões na década de 1900, enquanto seguiam as troças e os clubes de rua em Recife.
Em 1957, o compositor Nelson Ferreira fixou esta ideia no pentagrama musical, compôs o frevo-de-rua “Vem Frevendo”, e a música foi lançada para o carnaval de 1958.
Diz-se que Nelson Ferreira é um dos compositores brasileiros com mais composições gravadas na história. Interessante dar uma olhada nos seus frevos mais antigos, para além das sete evocações que ele criou.
Nesse disco a seguir aí você encontra as sete evocações dele.
E, particularmente, dessas marchinhas dele, gosto muito dessa aqui:
Segundo os registros, essa gravação que você ouviu no storie anterior é de 1929, realizada pela ODEON. Observe que é uma gravação mais antiga do que a Vassourinhas, de 1945, né?
Mas ainda não era frevo.. era marcha.
Isso causa certa confusão, né?... rs.. a questão é que vassourinhas já nasceu frevo. De rua. Frevo canção e frevo de bloco são estilos que se firmam pouco depois como frevo, a partir das transformações das marchas e marchas-polcas e que, apesar de também serem tocados nas ruas, eram muito mais comuns serem tocados nos clubes e locais fechados “aristocráticos”.
Tanto que a origem social de Nelson Ferreira é bem diferente das de Joana e Mathias, por exemplo. Teve oportunidades que o povo pobre não teve.
A letra de “Não Puxa, Maroca”, nessa gravação que vai se seguir aí no próximo storie, pra mim, já me soa mais como frevo do que como marcha (embora ainda seja marcha.. só depois que as marchas passam a marchas-frevo e depois frevo de bloco). E essa, em especial, o instrumental ainda pode ser um bom frevo de rua. E um excelente frevo canção.. rs..
Você consegue ouvir “Não puxa, Maroca” com a letra aqui, ó, em 1min28seg
(Nelson Ferreira, História do Carnaval - vai lá em 1min28seg)
É um bicho gaiato
É um bicho bonito,
É um bicho bonito...
Tu puxas, Maroca, no rabo
Mas olha o diabo
Que rabo de gato não é pirulito
Que rabo de gato não é pirulito!
Maroca, o teu ganso
É um bicho até manso
Que nunca estrebucha
Que nunca estrebucha...
Tu puxas, Maroca, o pescoço
Mas, mesmo sem osso
Pescoço de ganso não é puxa-puxa
Pescoço de ganso não é puxa-puxa!
Nelson Ferreira é um capítulo à parte aqui, porque têm muitos registros de composições dele com outras pessoas, entre 1929 e 1945, algumas canções que se aproximam muito de frevo, outras mais da marcha, mas, no fundo, tudo vira frevo em algum momento.
Se liga só mais nessa aqui, chamada “Que matá papai, oião?”, de 1945.
Enfim, voltando à Vassourinhas e à Evocação, aqueles registros de 1956 e 1957 foram as primeiras gravações de frevo pelo selo Mocambo.
A Rozenblit tinha 3 selos diferentes para os diferentes estilos regionais e nacionais da música. O selo Mocambo era o selo das músicas regionais.
Mas enquanto a Rozenblit se organizava por aqui, as gravadoras RCA/Victor e Continental, sediadas no Rio de Janeiro, não pararam de gravar nossas músicas e, um ano antes da Rozenblit lançar Evocação, em 1957, a Continental já lançava uma primorosa coletânea com 7 frevos (incluindo aquela versão de Vassourinhas, de 1949) executados pela Orquestra Tabajara, sob a batuta de Severino Araújo.
Essa coletânea reuniu diversos frevos, compostos entre 1941 e 1951, por artistas pernambucanos (Joana Batista Ramos e Mathias da Rocha, Levino Ferreira, Severino Araújo, Edvaldo Pessoa) e paraibanos (Geraldo Medeiros).
Esse disco da paraibana Orquestra Tabajara é das primeiras gravações mais organizadas de frevo que conheço, antes da Rozenblit gravar Evocação em 1957 e iniciar seu primoroso trabalho de registro e divulgação de vários outros frevos que veremos anos mais tarde.
Nesse ínterim aí, tem muita história, né? Porque antes de qualquer registro fonográfico, o frevo de rua já era executado pelas orquestras nas ruas, já na segunda metade do século XIX (Joana Baptista registrou sua “marcha do regresso” em 1909 (!).
Existem registros dos primeiros desfiles do Clube Vassourinhas já em 1889, assim como registros de Dobrados e Marchas grafadas em partituras, de 1895, 1897, 1899, 1900, 1910, 1914, 1915.
Mas também tinham aí outros clubes e troças, né? Clube Lavadeiras de Areias, Clube das Pás.. Clube Lenhadores.. Clube Andaluzas.. Batutas de São José.. enfim.. é muita coisa.. tem muita história aí..
A Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense, por exemplo, foi fundada em 15 de fevereiro de 1921, né? E com certeza já desfilava com orquestras muito antes dessas gravações. Quem eram essas orquestras? Da onde vinham? Vale uma pesquisa profunda aí (sem falar que a própria história do mote do velho do Cariri tem a ver justo com a região do Crato, no CE, que está completamente ligada ao universo do udigrudi e do movimento contracultural nos anos 1970, cuja Rozenblit foi pioneira no registro desses trabalhos).
Mas é isso: agora com uma gravadora cediada em Recife, muitos compositores e orquestras começaram a criar, executar e registrar seus frevos aqui.. aos poucos, com o passar dos anos, a Rozenblit já acumulara dezenas de discos de frevo (e de diversos outros estilos também), tornando nosso mercado e registros fonográficos independentes das grandes gravadoras sediadas no Rio.
O acervo musical de frevo da Rozenblit é absurdo e foi digitalizado recentemente.
Se liga na lista do próximo link aí. Um apanhado de TODOS os frevos gravados pela Rozenblit, de 1957 até quando a gravadora fechou suas portas em 1983.
São mais de 151 registros, entre frevos avulsos e discos completos.
Alguns desses álbuns são muitos famosos, como, por exemplo, esse aqui, ó, que eu gosto muito:
(O Frevo Vivo De Levino - Orquestra de Frevo de José Menezes)
Ouvindo essas pérolas resgatadas pela Rozenblit, a gente vai percebendo que vários frevos de rua conhecidos, desses que as orquestras tocam na rua aqui em Olinda no carnaval, muitos deles tinham letra originalmente.
Até hoje fico de cara quando descobro certas letras.
Se liga nos primeiros 30 segundos do frevo “Abertura”, nesse link que segue aí
(Capital do Frevo 77 - Última Produção e Arranjos de Nelson Ferreira)
Uma introdução, com letra, à letra de Evocação nº1! É babado, viu?
Pronto. Vou parar por aqui agora e em algum outro momento sigo pra um aspecto do assunto um pouco mais polêmico.. o frevo e as bandas militares..
Uma coisa que eu descobri na vida e que me deixou bem impressionado, é que muito do frevo de rua, antes mesmo dos registros fonográficos, era bastante executado por bandas militares, uma herança do dobrado e das marchas marciais - como esses regravados nessa coletânea aqui
(Três Séculos de Música Brasileira - Dobrados)
Se você fizer uma rápida pesquisa, vai descobrir gravações da banda da aeronáutica, da banda da polícia militar de PE, da Banda do 14º Regimento de Infantaria do exército.. gravações primorosas, por sinal, realizadas mais tarde, a partir de 1972, vinculado ao programa de rádio O Tema É Frevo, que sob a tutela do arranjador, compositor e radialista Hugo Martins, que produziu 10 coletâneas de frevo a partir desse programa
(10 Coletâneas de frevo das orquestras militares)
Vários frevos de compositores famosos como Levino Ferreira, Zumba, Nelson Ferreira, Carnera, Capiba, Raul Moraes, Toscano Filho, foram gravados nessas coletênas.
Em 1972, Toscano Filho compôs o frevo de rua “O Tema é Frevo” especialmente para o programa, o qual foi gravado originalmente pela Banda da Base Aérea do Recife, nos discos Rozenblit
Graças à grotesca e bizarra era da Ditadura Civil-Militar no Brasil, há uma problemática quando buscamos saber se a música do frevo surgiu das orquestras militares ou das orquestras civis. É óbvio que já se percebe historicamente que nasceu no meio do povo (vide a história de todos os clubes e orquestras civis, vide a história de Joana Batista, enfim), mas a influência das orquestras militares e dos militares no meio das orquestras civis de frevo era também absoluta, sendo impossível negar essa influência das orquestras militares na salvaguarda da musicalidade do frevo.
Em resumo, o que se sabe é que havia grande mistura entre todo esse pessoal aí: civis e militares. Os frevos gravados nos anos 1940 e 1950 são de compositores civis, mas é inegável a influência das execuções musiciais militares nesse meio.
O maestro Severino Araújo (aquele lá da Orquestra Tabajara), por exemplo, era filho de militar e aprendeu o ofício de músico graças aos militares, praticando na orquestra militar, inclusive se tornando regente de uma delas.
É importante lembrar também que nesse momento histórico aí do surgimento da musicalidade do frevo, estamos há poucos anos pós Revolução de 1817 e da República, e sabemos todes que essas etapas da história do Brasil é institucionalmente tomada pelo poder militar.
Mas as primeiras gravações mesmo, de frevo, são lá da metade pro final dos anos 1940 (isso sem considerar as marchas que vão “virar” frevo de bloco, gravadas nos idos dos anos 1929, 1930).
E embora muitas orquestras de rua e profissionais (principalmente) tivessem militares em suas formações (quando não fossem praticamente toda formada por estes), as releituras e composições exclusivamente militares começam a ser registradas de forma mais organizada e em separado só a partir de 1972 (salvo as gravações avulsas encontradas por aí, como por exemplo Vem Frevendo, composição de Nelson Ferreira e com interpretação da Orquestra do Clube da Polícia Militar de Pernambuco.
Existe um resgate das partituras dos frevos executados antes dos anos 1930 e sabemos pela história dos clubes e troças daqui que o frevo de rua já era clássico nos anos 1930.
Se liga nesse resgate de frevos de rua, de 1912 a 2000, da Orquestra de Frevos Vassourinhas de Olinda
(Orquestra de Frevo de Vassourinhas de Olinda - 1912-2000)
Embora essa gravação seja recente, o projeto foi justo resgatar os frevos mais antigos escritos. É uma coletânea de 1912 até 2000, né? É muito tempo.
Mas é inegável: as bandas marciais e militares foram fundamentais para a criação e sobrevivência do frevo de rua.
Há relatos de Hugo Martins, inclusive (aquele do programa O Tema é Frevo, da Rádio Universitária) que fala da importância das bandas marciais e militares nesse processo de execução e gravação dos frevos.
Esse programa (O Tema É Frevo!) engendrou a gravação de 10 discos contendo frevos clássicos e novos, executados por bandas militares, né? É muita força. Sa sequência segue mais um que gosto bastante dessa coleção
(“O Tema é Frevo - vol. 03” de 10)
Primorosa criação e execução: frevo para piston, de Correia de Castro.
Algumas fontes relatam bem a mistura das orquestras.. orquestras militares e civis dividiam as ruas.. muitas vezes a orquestra civil era formada por militares oriundos de famílias de músicos da época da revolução pernambucana de 1817, quando o governo provisório republicano incentivou e até investiu na formação de bandas marciais e de fanfarra..
se liga nesse relato:
O dobrado, a marcha, a valsa, o maxixe, a polca, o lundu, foram estilos musiciais criados por aqui, a partir de misturas diversas, que com o tempo deram origem ao frevo, ao choro e ao samba.. essa é outra vertente da pesquisa.. que não vou trazer aqui agora não..
Mas se liga só nesse resgate musical aqui, de estilos muito executados no século XIX, aqui no Brasil, e que influenciaram bastante a criação do frevo:
Aos poucos, a orquestra da PMPE conseguiu status de Companhia Independente, o que facilitou ainda mais a participação dos militares nas orquestras
De fato, Zuzinha, nas décadas de 30 e 40 do século XX, conduziu o frevo e a banda da polícia militar a um reconhecimento nacional, haja vista gravações realizadas por compositores, maestros e músicos do século XX, com particular papel fonográfico para a Rozenblit, às divulgações fonográficas e aos programas de rádio. Foi aí que se diz que ficou estabelecida a subdivisão rítmica, que consta nas partituras do acervo da banda da polícia militar: o frevo-de-rua, o frevo-canção e o frevo-de-bloco (este último, para alguns, marcha-de-bloco).
Um brevíssimo adendo sobre a dança do frevo - só pra contextualizar sobre as misturas todas que fez do frevo o que ele é hoje, porque aqui já é outro outro adendo da pesquisa rs.. - é que a galera da capoeira usava a capoeira para conseguir se impor e brincar na rua ao som das bandas marciais e orquestras que tocavam marchas e marchas-frevo nos cortejos, já no início do século XIX, quando pobres e pretes eram proibidos de brincar carnaval nos salões onde as músicas mais “clássicas” (como as valsas e polcas) eram executadas..
..a galera ía pra rua dançar e brincar e, dessa mistura de movimentos da capoeira e da dança-brincadeira, surgiu o passista e a dança do frevo..
Então, o frevo todo veio de uma mistura absurda, né? Mistura de orquestras civis, orquestras militares, que muitas vezes tocavam juntas, mas que também aos poucos foram construindo uma richa (inclusive já vi fontes dizerem que as orquestras militares contratavam - olha só! - capoeiras, para defender o cortejo, que tinha em média 50, 70 músicos..).. isso é uma onda, né? Porque mostra a força e a imponência da capoeira na própria percepção das instâncias autoritárias, como a polícia, por exemplo.
E que por sua vez contratavam capoeiras pra defender do próprio povo o cortejo do bloco que era pro povo (mas que povo, né? socorro), e esse povo entrava em conflito com a polícia quando ela vinha afrontar a galera simples e preta que queria brincar e que aprendeu a jogar capoeira pra se defender da polícia e se impor na rua com direito de brincar também e o capoeira contratado brigando com capoeira brincante..
E orquestra brigando com orquestra.. e brincando junto.. e tocando junto..
Inclusive, até hoje, né? As orquestras têm uma herança nessa richa. Quando uma encontra outra no cortejo na rua no carnaval, uma quer abafar a outra (criando aí um subestilo pro frevo de rua: o frevo-abafo.. que serve justo pra abafar a outra orquestra..)..
Bom, uma coisa que eu sinto atravessar forte é como a prática de ser músico profissional fez dos músicos militares pessoas que saíam pra rua pra tocar frevo no carnaval. Muita gente pode até pensar que eles tão fazendo isso por dinheiro, né? Afinal, é o trabalho deles. Mas, sinceramente, eu não acho que seja só por isso. Existe um sentimento aí, um amor pela música, pela magia nosso corpo acessa através dela, algo que é causado pelo efeito intersubjetivo que a música provoca e os lugares que ela acessa na gente.
Muita coisa aconteceu depois da revolução de 1817, que fez com que o pernambucano se apoiasse em parte do ideário militarista raso pra tomar o poder.. e talvez isso até justifique grande parte da sociedade brasileira apoiar uma ditadura nos nos 1960 (uma conjecturação.. nunca li nada sobre isso..).
Queria só deixar registrado a ausência (ainda) aqui de maiores informações sobre a influência das mulheres no processo de construção da musicalidade do frevo.. assim como a ausência de informações sobre as influências da musicalidade indígena.
Trata-se de um recorte bem pequeno ainda, e que tenho a consciência de que muitas mulheres foram também instrumentistas, compositoras e maestras do ritmo e do passo, mas que (infelizmente) foram apagadas da História.
Assim como também tenho a consciência de que muitos desses homens, grandes maestros, músicos e arranjadores também, só puderam fazer o que fizeram e estar onde estiveram porque provavelmente havia mulheres cuidando deles, dos seus filhos, das suas casas e organizando suas vidas. Caso contrário, não teriam tido tempo pra tanta coisa.
E essa coisa da “história” das “primeiras músicas brasileiras”. Muitos pesquisadores entendem o choro, o frevo e o samba como matrizes primeiras da música “genuinamente brasileira”, mas na grande maioria das vezes esquece a vasta influência da versatilidade da musicalidade indígena nesse processo, assim como da musicalidade negra (embora esta seja mais comum de ser mencionada hoje em dia na formação epistêmica do frevo, do choro e do samba, porque é óbvio, né?).
Tem um material muito legal do Paço do Frevo, que traz a influência das mulheres nesse processo de criação e manutenção do Frevo. Vou deixar dois links muito bons aqui pra quem se interessar sobre essa especificidade, e quem souber mais sobre esse tema, me diz aí referêcias. :)
(MULHERES NO FREVO E SUA HISTÓRIA)
(paço do frevo - elas são frevo!)
(Fontes dos recortes em preto e branco)
(Fontes dos recortes em preto e branco 2)