A concepção de aprendizagem livre pressupõe a aprendizagem como
perspectiva de mudar, de se transformar, a partir e com a experiência, e não só
a partir de uma teorização exacerbada da realidade.
Ela pressupõe que nossas ações criadoras e transformadoras são fruto
das nossas emoções, e que o saber, por si só, não garante a fluidez dessas emoções,
por isso muitas vezes sabemos, mas não fazemos.
Existe certo tipo de emocionar que pode fazer uma sociedade inteira
acatar certo tipo de aprendizagem, e não outro. Como bem nos lembra Humberto
Maturana, “aprender não é apreender com o mundo, mas sim mudar com ele”.
Quando não mudamos com ele, facilmente acatamos as emoções
estabelecidas pela convencionalidade normatizada, polarizada, secularizada e
estagnada. Quando mudamos com ele, mudamos nós mesmos, e nos colocamos para
além do bem e do mal.
Nesse sentido, a aprendizagem livre busca desconstruir a relação
ensino-aprendizagem, preferindo a aprendizagem mútua. Coloca-nos no lugar de
aprender com o outro, enquanto ele aprende conosco, diluindo as relações de
poder sobre o outro.
Quando não nos colocamos acima ou superiores ao outro, torna-se mais
fácil não podá-lo em sua criatividade.
Substituímos assim nossa relação de poder por uma relação com a
potência.
Carla Ferro nos instiga a entender a aprendizagem livre como a adoção
de um novo tipo de emocionar, baseado na confiança na vitalidade das relações
humanas, redefinindo nossa fundação biopsicológica fundamentada no binômio cristão
do medo e da esperança que, na verdade, não são opostos:
“Medo e esperança não são emoções que criam modos distintos de agir,
mas engendram um mesmo modo de ação porque, tanto um como o outro representam
uma garantia, alguma coisa que está à frente, no futuro, à espreita”.
Saindo desse lugar de disputa entre o medo e a esperança, percebemos que
ambos acabam tendo a mesma função no processo de criação:
“É sempre uma ameaça e uma promessa, e o medo governa nossas ações a partir
de um futuro hipotético. Se você não estudar, você não vai ter um bom emprego,
não vai ser ‘alguém na vida’, etc.; enquanto a esperança faz a mesma coisa: se
você trabalhar muito, você vai ser promovido, você vai ter mais chances, ser
mais importante, ter mais dinheiro, etc. Assim, permanecemos num mesmo ciclo”,
diz ela.
Dessa problemática, inferem-se preocupações sociais paradoxais da
atualidade, erigidas por um mecanismo biopolítico de profundo aprisionamento
(de si em si, e de si no outro) da liberdade do pensar e do agir.
A dualidade (medo e esperança, certo e errado, feio e bonito) é nuance
de uma construção ética e estética específica, mas não corresponde a toda a
realidade possível.
Todas essas nuances são, na verdade, faces de uma mesma moeda: somos todos
certos e errados, feios e bonitos, medo e esperança, bons e maus, dependo das
demandas do tempo-espaço de cada instante.
Tais processos de polarização provêm de uma estrutura secular da Educação,
que nos estagna.
E é difícil sair disso porque a maioria das perguntas que hoje se faz à
Educação convencional vem de uma estrutura impossível de transpor, pois a
discussão em torno dessas perguntas produz um determinado tipo de crítica (teorização)
em que o próprio modo de organização dessa crítica está fadado à
superficialidade.
Muitas vezes o papel da educação não está, de fato, sendo questionado,
mas continua seguindo o mesmo padrão existencial de conduta binário, dual,
apesar da multiplicidade dos objetivos, objetos, e das diferentes formas de
funcionamento das instituições e de suas práticas inovadoras.
Quando não questionamos de forma real o papel da educação, não lidamos
com o próprio desenvolvimento do ser em sua acepção integral, em suas diversas
esferas existenciais.
Intuição, emoções, sentimentos são relegados, mantendo-nos construtores
de uma realidade e aprisionadores de nós mesmos, numa estrutura moral inoperante,
que produz teoria em vez de ação, como nos lembra Nietzsche.
Separar, transformar, transmutar... intuir... aprender a como lidar
com as emoções e com os sentimentos... seria isso trabalho educativo, ou trabalho
espiritual?
Onde está a fronteira entre religião
(polarização e secularização da educação), educação
(relação ensino-aprendizagem) e desenvolvimento
espiritual (percepção do ser como parte de um todo integrado em si, ao
espaço e ao outro)?
Onde eles se misturam?
Até onde o sujeito mesmo da educação é o próprio sujeito mesmo?
E no mundo, as pedras, as plantas, os animais, o mar, o vento, a
chuva, o sol, também não educam?
Fazemos parte de uma mesma condução de energia universal. Problematizar
a educação, por si só, não é suficiente.
Os processos de aprendizagem livre nos propõem essa percepção: de que
educar-nos de forma transformadora é mais do que transformar o mundo. Torna-se,
pois, uma tarefa de transformação de nós mesmos, de nossa forma de ser e agir
internamente, resgatando a força criadora das diversas potências espirituais do
nosso ser, adormecidas e/ou entorpecidas pela normatização, pelos automatismos,
e pelos reducionismos sociais.
Ao entendermos a educação como processo espiritual, começamos a
repensar nossas respostas. Mas não em função das mesmas perguntas, e sim em
função de novas perguntas, genuínas; de perguntas que, na verdade, ainda não
têm respostas.
E essa renovação das perguntas parte, possivelmente, de uma realidade
de mundo onde há confiança nas relações humanas, na vitalidade das relações
humanas.
E é a partir dessas relações, dessas novas relações, que é possível
pressupormos novas formas de ver, pensar e fazer a aprendizagem, a partir da
confiança no que você é; no que o outro é; no que o mundo é; e, mais ainda, no
que somos todos juntos.
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